A noite é essa escuridão tão envolvente
que parece um exercício de morte:
assim vai desaparecendo tudo,
assim desaparecemos dos outros
e de nós.
Apenas respiramos.
Podem cortar esse último fio
— e o tear que somos se imobiliza.
A noite esconde a terra, o céu a casa,
os vossos rostos.
Estou novamente dentro de uma entranha?
Humana? Cósmica? Em que entranha me aninho,
onde se enrola o novelo da minha memória,
em que cofre, na escuridão?
Nossas asas estão docemente fechadas
e nossos olhos moram no pensamento.
Cada um tem a sua noite.
Cada coisa.
E tudo está na sua noite,
enquanto é noite.
O dia é um bailarino com sinos e espelhos
Interrompemos a treva onde aprendíamos lembranças;
e somos de repente uns falsos acordados.
1960
Cecília Meireles.
In: ‘O Estudante Empírico’
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