segunda-feira, 15 de junho de 2015

NOITE E DIA





E então a noite caiu, para que não se falasse
do cair da noite. A noite caiu tão fria como as
últimas noites que caíram, neste princípio de
inverno, e ninguém pôs um colchão por baixo
dela para que a noite não se magoasse, ao cair.
A noite limitou-se a cair, e com ela caiu o céu
sem lua, com todas as estrelas do universo a
caírem com ela. Só os olhos não caíram, porque
para verem o céu e as estrelas que o enchiam
tiveram de se levantar. E foi preciso falar
do cair da noite para que os olhos tomassem
a direcção do céu, e descobrissem tudo o que
havia no céu sem lua. “Deixem cair a noite”,
disse alguém. E logo alguém pediu que o
dia se levantasse, como se uma coisa estivesse
ligada à outra. Então, o dia levantou-se da
noite em que caiu; e a noite caiu sobre o dia
que se levantava, para que a sua queda fosse
amparada pelo colchão do dia, e as estrelas
tivessem onde pousar, à medida que caíam.
—-

Nuno Júdice.
As coisas mais simples

terça-feira, 2 de junho de 2015

ANTIELEGIA ETÉREA




Na medida em que caem
os frutos, caem os homens,
caem as folhas, o sol cai
para o alto com as estrelas.
E eu, como um tronco
envelhecendo, vou ficando
oco por dentro e começo
a ser ocupado pelos passarinhos.
Começo a ser passarinho
no tronco. Até que o musgo
no céu me torne eterno.


Carlos Nejar