sexta-feira, 30 de maio de 2014

HÁ CIDADES ACESAS NA DISTÂNCIA



Ha cidades acesas na distância,
Magnéticas e fundas como luas,
Descampados em flor e negras ruas
Cheias de exaltação e ressonância.

Ha cidades acesas cujo lume
Destrói a insegurança dos meus passos,
E o anjo do real abre os seus braços
Em nardos que me matam de perfume.

E eu tenho de partir para saber
Quem sou, para saber qual e o nome
Do profundo existir que me consome
Neste país de nevoa e de não ser.



Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'Poemas escolhidos' 2004

HORA LILÁS...



Hora lilás, da cor desta saudade
Que não me deixa mais o coração,
Hora em que a alma toda se me invade
Só de tristeza e de desolação ...

Hora em que eu lembro a minha pouca idade
E a minha tão cruel desilusão ...
Tudo se esvai na bruma da saudade,
Essa tão doce e triste cerração ...

Hora lias, da cor que me entristece,
Desta saudade que jamais esquece
Meu coração cansado de sofrer;

Hora em que eu vivo a vida já vivida,
Hora lilás, da cor da minha vida,
Pois é saudade só o meu viver.


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

NÉVOA



Que densa névoa cobre a terra inteira!
Dir-se-ia que pousou na terra o próprio céu ...
E lembra um andorinha prisioneira
Dum condor que sobre ela as asas estendeu.

Moldados pela noite à sua negra imagem,
Cismam meus olhos fundos como um rio.
Tornam mais densa ao longe a noite da paisagem
Os montes dum perfil ascético e sombrio.

E esqueço-me a pensar se tudo o que me envolve,
As árvores, os montes e os rochedos,
Não é um sonho só que em névoa se dissolve,
Como ao quebrar da luz, sombras, noturnos medos.

Tão ausente me sinto, tão distante,
Que um sonho me parece a própria vida;
A névoa cresce, aumenta a cada instante ...
E a minha sombra jaz na sombra confundida ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

CREPÚSCULO



Paisagem do meu sonho .. Que tristeza
Alonga para os céus os pinheirais!
Crescem na tarde sombras e incertezas,
Sobe da terra o fumo dos casais.

É a hora dolorida em que se reza,
Em que as almas e as cousas são iguais,
No longo adeus do sol à natureza,
Cheia de luto e misterioso ais.

Paisagem do meu sonho em que me abismo,
Olhos turvos de lágrimas, e cismo
Na dor de quanto vai perdido à sorte ...

É a hora dolorida da ansiedade,
Em que a vida se abraça à Eternidade
E o meu sentir se casa com a morte!


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

quinta-feira, 29 de maio de 2014

A ESTRELA



Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.


Manuel Bandeira
in Estrela da vida inteira.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

UM ETERNO SOL-PÔR DO QUE SOMOS...



"Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem,
são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis,
precisamente porque são impossíveis, a saudade do que 
nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de 
não ser outro, a insatisfação da existência do mundo.
Todos estes meios tons da inconsciência da alma criam 
em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do
que somos..." 

Fernando Pessoa ,(Bernardo Soares)
in Livro do Desassossego

VOZES DO MAR



Quando o sol vai caindo sobre as águas
Num nervoso delíquio d"oiro intenso,
Donde vem essa voz cheia de mágoas
Com que falas à terra, ó mar imenso?…
 
Tu falas de festins, e cavalgadas
De cavaleiros errantes ao luar?
Falas de caravelas encantadas
Que dormem em teu seio a soluçar?
 
Tens cantos d"epopeias?Tens anseios
D"amarguras? Tu tens também receios,
Ó mar cheio de esperança e majestade?!
 
Donde vem essa voz,ó mar amigo?…
… Talvez a voz do Portugal antigo,
Chamando por Camões numa saudade!
 
Florbela Espanca
In “Trocando olhares” (1916)


ALBA



Não faz mal
que amanheça devagar.
As flores não têm pressa,
nem os frutos.
Sabem 
que a vagareza dos minutos
adoça mais o outono por chegar.

Não faz mal 
que, devagar,
o dia vença a noite
em seus redutos
do Leste.

O que importa
é ter enxutos os olhos
e a intenção de madrugar.

Geir Campos
In Cantigas de Acordar Mulher (1964)


PENUMBRA



Tarde fria
Silêncio sepulcral
Olhos vermelhos
Na mente, temporal

Já não tenho lágrimas
De sobra, solidão
Já não sinto minha alma
Que ao meu lado, jaz no chão...

24/05/2009
19h 51min

Jefferson Dieckmann.


terça-feira, 27 de maio de 2014

O MAR DO CREPÚSCULO



Eis a terra que o crepúsculo banha,
Eis as orlas do Mar Amarelo;
Por onde se ergueu e aonde se abala,
São estes os ocidentais mistérios.

Noite após noite, seu tráfego purpúreo
Cargas de opala pelo cais dispersa;
E mercadores ponderam sobre horizontes,
Calculam rumos e somem em barcos de sortilégio.

Púrpura –
A cor das rainhas é esta –
A cor de um sol, no poente;
- Ainda, além dessa, o âmbar;
E o berilo – se o dia vai a meio.

Quando à noite, porém, amplidões de aurora
Atingem, de súbito, os homens –
Essa cor, e o feitiço, Mas, a Natureza
Reserva um lugar, também, para os cristais de iodo.


Emily Dickinson
in Poemas de Emily Dickinson

sábado, 24 de maio de 2014

SONATA AO CREPÚSCULO



Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata,
Esfalfai-vos, rugindo, - e emudecei... Apenas,
Agora, trilem no ar, como em cristal e prata,
Rústicos tamborins e pastoris avenas.

Trescala o campo, e incensa o ocaso, numa oblata.
- Surgem da Idade de Ouro, em paisagens serenas,
Os deuses; Eros sonha; e, acordando à sonata,
Bailam rindo as sutis alípedes Camenas.

Depois, na sombra, à voz das cornamusas graves,
Termina a pastoral num lento epitalâmio...
Cala-se o vento... Expira a surdina das aves...

E a terra, noiva, a ansiar, no desejo que a enleva,
Cora e desmaia, ao seio aconchegando o flâmeo,
Entre o pudor da tarde e a tentação da treva.

Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)

segunda-feira, 19 de maio de 2014

EM VIAGEM




Arde a montanha
- brasa de ametista –
atravessada de sol

O grande crepúsculo
é um calmo incêndio
que se espalma
na redoma da tarde

Os laranjais
- surdo perfume –
se preparam
para acolher a noite



Hélio Pellegrino
In: Minérios Domados


sábado, 17 de maio de 2014

O CREPÚSCULO DA BELEZA



Vê-se no espelho; e vê, pela janela,
A dolorosa angústia vespertina:
Pálido, morre o sol... Mas, ai! termina
Outra tarde mais triste, dentro dela;

Outra queda mais funda lhe revela
O aço feroz, e o horror de outra ruína:
Rouba-lhe a idade, pérfida e assassina,
Mais do que a vida, o orgulho de ser bela!

Fios de prata... Rugas... O desgosto
Enche-as de sombras, como a sufoca-la
Numa noite que aí vem... E no seu rosto

Uma lágrima trêmula resvala,
Trêmula, a cintilar, - como, ao sol posto,
Uma primeira estrela em céu de opala...

Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)