quinta-feira, 28 de março de 2013

ESPANTO POR ESPANTO



a vida é isso?
essa espera de auroras
boreais
estar a sós com seus
pensamentos
falcões amestrados
em direção do passado
ao futuro
ao fundo duro
dos abismos?

O tempo não se mexe
penhasco imutável
no oceano das horas
nós é que nos vamos
estranhas marionetes
sem rumo

então a vida é isso
segundo por segundo
estrela por estrela
espanto por espanto

Roseana Murray
In Poesia Essencial.



quarta-feira, 27 de março de 2013

CREPÚSCULO DE ABRIL



Longa pincelada de cinábrio, no poente,
sublinha os nimbos gris.

A púrpura veludosa do amaranto
veste os jardins do outono.

Dorme a névoa dos vales.
No coração transido, a noite desce.

Helena Kolody

sábado, 23 de março de 2013

NO MEU JARDIM



No meu jardim aberto ao sol da vida,
Faltavas tu, humana flor da infância
Que não tive...

E o que revive
Agora
À volta da candura
Do teu rosto!

O recuado Agosto
Em que nasci
Parece o recomeço
Doutro destino:

Este, de ser menino
Ao pé de ti...

Miguel Torga

sexta-feira, 22 de março de 2013

CREPÚSCULO DE OUTONO



O crepúsculo cai, manso como uma benção.
Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito...
As grandes mãos da sombra evangélicas pensam
As feridas que a vida abriu em cada peito.


O outono amarelece e despoja os lariços.
Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar
O terror augural de encantos e feitiços.
As flores morrem. Toda a relva entra a murchar.


Os pinheiros porém viçam, e serão breve
Todo o verde que a vista espairecendo vejas,
Mais negros sobre a alvura unânime da neve,
Altos e espirituais como flechas de igrejas.


Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio
Do rio, e isso parece a voz da solidão.
E essa voz enche o vale...o horizonte purpúreo...
Consoladora como um divino perdão.


O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha
Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos,
Flocos, que a luz do poente extática semelha
A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.


A sombra casa os sons numa grave harmonia.
E tamanha esperança e uma tão grande paz
Avultam do clarão que cinge a serrania,
Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.

Manuel Bandeira

quinta-feira, 21 de março de 2013

LUZ DA ALVORADA



Pátria, infancia, hora da manhã da vida
muitas vezes perdida e deslembrada:
tardia mensagem me vem de ti,
a reflorir do que mais fundo estava
soterrado no âmago de minha alma
- ó doce luz, fonte ressuscitada!

Entre o outrora e agora, a vida toda
que se havia por orgulhosa e rica,
não conta mais: volto a escutar, absorto,
o tão antigo sempre e sempre novo
cantar da fonte dos contos de fadas,
infantis cantinelas olvidadas.

Acima de tudo, com teu clarão
vais removendo o pó e a confusão
e o esforço da ambição irrealizada
- ó fonte límpida, ó luz da alvorada!

Hermann Hesse
In Andares 

EMILY DICKINSON


A manhã se dá a todos,
A noite, para alguns poucos;
A raros afortunados,
A luz da madrugada.

Emily Dickinson
In Poemas  Escolhidos

segunda-feira, 18 de março de 2013

ENCANTAMENTO



A tarde jogou os seus sete véus luminosos
sobre a montanha,
e ficou toda nua dançando
com sombras de crepúsculo
a escorrerem-lhe, suaves, pela pele dourada...
...e ficou toda nua dançando
na campina
ao som da harpa encantada do silêncio...

Tasso da Silveira,
in As Imagens Acesas:

sábado, 16 de março de 2013

HORA GRAVE



Quem agora chora em algum lugar do mundo,
Sem razão chora no mundo,
Chora por mim.

Quem agora ri em algum lugar na noite,
Sem razão ri dentro da noite,
Ri-se de mim.

Quem agora caminha em algum lugar no mundo,
Sem razão caminha no mundo,
Vem a mim.

Quem agora morre em algum lugar no mundo,
Sem razão morre no mundo,
Olha para mim.


Rainer Maria Rilke

quinta-feira, 14 de março de 2013

ESVAZIAMENTO



Cidade grande: dias sem pássaros, noites sem
estrelas. 

Mario Quintana
In: Na volta da Esquina

sexta-feira, 8 de março de 2013

VISITA



Na escassa penumbra da tarde,
sonho.
Vêm me visitar as fadigas do dia,
os defuntos do ano, as lembranças da década,
como uma procissão dos mortos daquela aldeia
perdida lá no horizonte.

Este é o mesmo sol, impregnado de miragens
o mesmo céu que presenças ocultas dissimulam
o mesmo céu temido daqueles que tratam 
com os que se foram

Eis que a mim vêm os meus mortos.

Léopold Sédar Senghor

quarta-feira, 6 de março de 2013

ESVAZIAMENTO



Cidade grande: dias sem pássaros, noites sem
estrelas. 

Mario Quintana
In: 'Na volta da Esquina'

sexta-feira, 1 de março de 2013

ADORMECENDO




Em catedrais gigantescas
um grito ecoa
. . . é a hora da paz!

. . . e o silencio é renuncia
ao dia que se desfaz.

O sol cansou-se de amar,
e a noite asilada em meu seio
vem bailar com o repousar.

Cerro as pálpebras,
. . . janelas frias. Revivo
Um féretro solene. Festivo.

Transponho fronteiras,
meu mundo não é bisonho
tem cores, de um viver risonho.

E vestida de flores
buscando esquivas primaveras
sob sóis amores.
Eu só tenho um desejo:
- o de nunca acordar!


Alviana Tzovenos