quarta-feira, 30 de julho de 2014

HAICAIS



Manhã de neblina.
Silhueta de pinheiro
em meio à paisagem.

Delores Pires,
In O Livro dos Haicais

quarta-feira, 23 de julho de 2014

CREPÚSCULO




O crepúsculo é uma tênue poeira de prata fosca,
o canto da cigarra, uma lâmina de ouro,
e as árvores são sombras expectantes
à beira do mar antigo
de cujo fundo horizonte vai surgir
como uma aparição
o veleiro que os homens sempre esperaram.


Tasso da Silveira
Canções a Curitiba
& outros poemas


EFEITOS DE LUZ




Sob o silêncio que flutua,
no crepúsculo,
a angra é um espelho de cristal.

De súbito, porém, rompendo a superfície polida,
como um brusco
reflexo,

o peixe prateado e liso
pula no ar
e, esplêndido, caracoleia no crepúsculo
e retomba no seio da água adormecida,

que sonhando, o supõe uma chispa de luar ...


Tasso da Silveira
in Poemas

terça-feira, 22 de julho de 2014

CARICATURA




A terra-mendiga escondeu-se num canto de 
sombra
para espiar,
através da janela da noite,
as estrelas dançando a sua prodigiosa dança lenta
no salão alto do Infinito.

Entre espelhos profundos, 
sobre veludos raros,
as estrelas dançam em êxtase.

E esqueceram-se de tudo
e embebedaram-se
do ritmo sereníssimo ...

E a Terra, despercebida e humilde,
tomou-se também
da encantada volúpia.

E arrepanhando o vestido roto de gaze que lhe deram,
e em que ainda brilham vidrilhos,
pôs-se a imitar, na sombra,
os movimentos harmoniosos
do bailado divino.


Tasso da Silveira
in Poemas

CONTEMPLAÇÃO



A Terra contempla as grandes árvores do crepúsculo
as grandes árvores nascidas do seu sonho
e cujas fundas raízes ainda se entranham
no seu coração doloroso.

A Terra contempla as grandes árvores imóveis
nostálgicas dos instantes de milagre
em que as gerou,
sentindo-as tão separadas,
tão mais prodigiosas, 
tão mais além dela mesma ...

A Terra contempla as grandes árvores imóveis
em cujas ramas, com o crepúsculo,
mansamente pousaram
todos os pássaros
do silêncio ...


Tasso da Silveira
Poemas

segunda-feira, 21 de julho de 2014

MANHÃ DE INVERNO




Coroada de névoas, surge a aurora 
Por detrás das montanhas do oriente; 
Vê-se um resto de sono e de preguiça, 
Nos olhos da fantástica indolente. 

Névoas enchem de um lado e de outro os morros 
Tristes como sinceras sepulturas, 
Essas que têm por simples ornamento 
Puras capelas, lágrimas mais puras. 

A custo rompe o sol; a custo invade 
O espaço todo branco; e a luz brilhante 
Fulge através do espesso nevoeiro, 
Como através de um véu fulge o diamante. 

Vento frio, mas brando, agita as folhas 
Das laranjeiras úmidas da chuva; 
Erma de flores, curva a planta o colo, 
E o chão recebe o pranto da viúva. 

Gelo não cobre o dorso das montanhas, 
Nem enche as folhas trêmulas a neve; 
Galhardo moço, o inverno deste clima 
Na verde palma a sua história escreve. 

Pouco a pouco, dissipam-se no espaço 
As névoas da manhã; já pelos montes 
Vão subindo as que encheram todo o vale; 
Já se vão descobrindo os horizontes. 

Sobe de todo o pano; eis aparece 
Da natureza o esplêndido cenário; 
Tudo ali preparou co’os sábios olhos 
A suprema ciência do empresário. 

Canta a orquestra dos pássaros no mato 
A sinfonia alpestre, — a voz serena 
Acordo os ecos tímidos do vale; 
E a divina comédia invade a cena.

Machado de Assis,
in   'Falenas'


sábado, 19 de julho de 2014

A MONTANHA



A seda do céu começou a manchar-se de sombra,
e o cristal do ar sereno
embaciou-se de sombra
e com o silêncio profundo
a noite, imensa, desceu.

E junto a mim, sob o céu morto,
ficou apenas este vulto de montanha
enchendo o mundo ...


Tasso da Silveira
in Poemas

sexta-feira, 18 de julho de 2014

CIRANDA



Olho, da minha sombra,
a distância perdida,
e vejo,
desdobrando-se em curva larga e longa,
a alameda silente
das palmeiras erguidas na penumbra.

E vejo,
no céu sereno do crepúsculo cadente,
Vésper surgir tão próxima,
que a suponho uma lâmpada silente
trazida
por misteriosa mão compadecida
para clarear a minha sombra.

E eu vejo, de repente,
as palmeiras moverem-se, fantásticas,
em torno a Vésper, na alameda longa ...
... e dançarem, gloriosas, uma ronda
de ritmo e silêncio, na penumbra ...


Tasso da Silveira
in Poemas

segunda-feira, 14 de julho de 2014

NOTURNO URBANO



O cansaço anoitece
nas solidões aglomeradas.

Noite alta,
velam janelas,
semáforos insones.

Nem um trilar de grilo
estremece a teia do tédio


Helena Kolody
in Poesia Mínima

sexta-feira, 11 de julho de 2014

PÁSSARO SEM ASAS




Noites escuras,
fundas, fundas,
profundas.

A escuridão tem o encantamento
de aproximar ruídos longínquos
e aumentar os pequenos.

Choveu,
me encharco.

Minha memória 
recua,recua
até encontrar minha alma de menino.
(a escuridão 
se presta para isso.)

Sou um pássaro sem asas
e não caio
porque me seguro no ar.


Humberto Ak'abal, 
In Tecendor de Palavras

quinta-feira, 10 de julho de 2014

SUBITAMENTE




Subitamente, 
anoiteceu em mim.

Pungiu-me a dor de viver.

Helena Kolody
in Correnteza


terça-feira, 8 de julho de 2014