segunda-feira, 30 de junho de 2014

ESBOÇO




O seu perfil de sombra iluminado 
pela agonia rubra do sol-pôr; 
e, ao longe, e ao longe, o seu olhar magoado 
como um olhar de anunciação e amor...

O seu perfil de mágoa, ainda encoberto 
na sombra que este sonho fez maior, 
e o seu olhar sem fim, como um deserto 
de sombra, bem maior que a minha dor...

O seu perfil esguio, o seu perfil 
de Outono e primavera: - o mês de Abril, 
em Outubro, a querer reverdecer...

O seu perfil de noite e de alegria, 
laivado, aqui e além, da luz do dia, 
que no sol-pôr, além, vai a morrer...


Anrique Paço D’Arcos 
De Poesias Completas

TARDE DE INVERNO


Sob o curvo cristal da imensidade
De um céu de transparência etérea e fria,
Em que do posto sol a claridade,
Azul e melancólica, radia,

Vemos o bosque, o rio, a amenidade
Das sombras, a ondulada pradaria,
Como um painel de estranha suavidade
E encantadora e rústica poesia.

Olha como o formoso fruto loiro
Salpica de pequenos pontos de oiro
Aquela verdejante laranjeira!

E além, além, do céu no alaranjado
Fundo se esbate e avulta o recortado
E sombrio perfil da cordilheira...

- Júlia Cortines 
em "Versos". 



sexta-feira, 27 de junho de 2014

INVENÇÃO DA NOITE




Deste silencio e desta treva
construo a minha noite
particular e intransferível.
Não preciso inventar as estrelas,
elas nascem e brilham por si mesmas.
E à meia-noite uma lua triste
levanta a cara de prata no horizonte
e verte nos meus olhos um choro, um frio.

Anderson Braga Horta
In: Fragmentos da Paixão

quinta-feira, 26 de junho de 2014

A LUA


 
A proa reta abre no oceano
Um tumulto de espumas pampas.
Delas nascer parece a esteira
Do luar sobre as águas mansas.
 
O mar jaz como um céu tombado.
Ora é o céu que é um mar, onde a lua,
A só, silente louca, emerge
Das ondas-nuvens, toda nua.
 
 
Manuel Bandeira
in Estrela da vida inteira.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

SONHOS NO CREPÚSCULO




Sonhos no crepúsculo,
Apenas sonhos encerrando o dia,
Retornando-o com tal desfecho,
Aos tons cinza, escurecidos,
Às coisas fundas e longínquas
Do território dos sonhos.

Sonhos, apenas sonhos no crepúsculo,
Apenas as rotas imagens lembradas
Dos tempos idos, quando o ocaso de cada dia
Escrevia em prantos as perdas da afeição.

Lágrimas e perdas e sonhos desfeitos
Talvez acolham teu coração
ao anoitecer.

Carl Sandburg
Tradução de Fernando Campanella

terça-feira, 24 de junho de 2014

DE TARDE



Eu vi voando caminho do Ocidente,
o bando ideal de minhas ilusões;
Do sol, um raio trêmulo, dormente,
dourava-as com seus últimos clarões.

Para longe corriam doidamente
a crença, o amor, meigas aspirações ...
Creio até, que entre as aves, tristemente,
iam partindo os nossos corações.

Alem, além ... e os pássaros risonhos,
foram-se todos. Vênus lacrimosa
brilhou. No mais, deserta a imensidade.

Não! No ocaso do sol e de meus sonhos,
ficou, ainda a pairar triste e formosa,
a ave formosa e triste da saudade.


Augusto de Lima
in Coletânea de Poesias

segunda-feira, 9 de junho de 2014

OS SENTIMENTOS QUE MAIS DOEM...



"Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem,
são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis,
precisamente porque são impossíveis, a saudade do que 
nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de 
não ser outro, a insatisfação da existência do mundo.
Todos estes meios tons da inconsciência da alma criam 
em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do
que somos..." 

Fernando Pessoa ,(Bernardo Soares)
in Livro do Desassossego
 




quinta-feira, 5 de junho de 2014

NÉVOA...



"Névoa... A manhã é névoa e o dia é este...
Que quero eu dele ou ele quer de mim?
Quero que a minha angústia nada ateste
De si, nem de quem quer um fim...

Quero que a manhã seja como é,
Porque o seria sem o eu querer;
E que eu tenha esse resto vil de fé
Que é ainda querer viver..."

Fernando Pessoa
in Poesia

terça-feira, 3 de junho de 2014

TODA A PAZ DA NATUREZA...



"...


Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.


Mas eu fico triste como um pôr do sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria o fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.


Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.


..."

Fernando Pessoa -
 Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos 

domingo, 1 de junho de 2014

A BALADA DAS FOLHAS




No crepúsculo de gaze
E ouro, anda alguém a cantar
Uma cantiga que é quase
Um choro humano, pelo ar...
Pensativo, os olhos ponho
Nas folhas, - vida que vai
A extinguir-se, sonho a sonho, 
Em cada folha que cai...

A primeira é verde e é linda.
Porque o vento a desprendeu ?
Não tinha vivido ainda,
Não tinha amado e morreu.
Vento do Destino avança,
E num soluço, num ai,
Cai um mundo de esperança
Na folha humilde que cai.

A segunda é a folha morta, 
Passado... Desilusão...
Mal o vento os ramos corta, 
Ela adormece no chão...
É a saudade, - folha da alma –
Que no tormento se abstrai
E vive da morte calma
De cada sonho que cai.

OFERENDA:

No crepúsculo indeciso
Da vida, me martirizo
Por um sonho que se esvai...
Caem folhas... Chorei !...
Há uma lágrima, um sorriso...
Em cada folha que cai.


Olegário Mariano
in 'Poemas de amor e de saudade'
1.932.