terça-feira, 30 de abril de 2013

SERENATA



Repara na canção tardia
que timidamente se eleva,
num arrulho de fonte fria.
O orvalho treme sobre a treva
e o sonho da noite procura
a voz que o vento abraça e leva.
Repara na canção tardia
que oferece a um mundo desfeito
sua flor de melancolia.
É tão triste, mas tão perfeito,
o movimento em que murmura,
como o do coração no peito.
Repara na canção tardia
que por sobre o teu nome, apenas,
desenha a sua melodia.
E nessas letras tão pequenas
o universo inteiro perdura.
E o tempo suspira na altura
por eternidades serenas.

Cecília Meireles



segunda-feira, 29 de abril de 2013

IMPRESSIONISTA




Uma ocasião, 
meu pai pintou a casa toda 
de alaranjado brilhante. 
Por muito tempo moramos numa casa, 
como ele mesmo dizia, 
constantemente amanhecendo. 
 
Adélia Prado

sexta-feira, 26 de abril de 2013

MADRUGADA




E de dentro dela
Abraçada
Ao silêncio das horas
Eu devaneio
De alma exaltada !

Ouço vozes
Entre luzes coloridas
... há paisagens vigilantes
Nessas madrugadas esquecidas !

Sinto que sou flor
Sob as carícias do orvalho:
Ele surpreendeu-me viçosa
... são seus
Todos meus beijos de amor !

Vejo
Melancolia saudosa
A cantarolar seus prantos ...
A aurora aconteceu ...
É toda voluptuosa !

Dá-me a mão, 
Ó madrugada!

Agasalha-me nos teus encantos !


Alvina Nunes Tzovenos
de Sonhos e Vivencias



EÇA DE QUEIROZ



“Não há ideia mais consoladora do que esta 
- que eu, e tu, e aquele monte, e o Sol que,
 agora, se esconde são moléculas do mesmo Todo, 
governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo Fim.” 

―Eça de Queiroz

domingo, 21 de abril de 2013

SONETO



Hora lilás, da cor desta saudade
Que não me deixa mais o coração,
Hora em que a alma toda se me invade
Só de tristeza e de desolação ...

Hora em que eu lembro a minha pouca idade
E a minha tão cruel desilusão ...
Tudo se esvai na bruma da saudade,
Essa tão doce e triste cerração ...

Hora lias, da cor que me entristece,
Desta saudade que jamais esquece
Meu coração cansado de sofrer;

Hora em que eu vivo a vida já vivida,
Hora lilás, da cor da minha vida,
Pois é saudade só o meu viver.

Anrique Paço D’Arcos 
Poesias Completas

ETERNA CHUVA



Chove lá fora e a chuva apaga a poeira
Da minha estrada que não tem mais fim!
Seria bom que pela vida inteira
Essa chuva caísse sobre mim!

Sinto que a minha estrada sem palmeira,
Deserta, vasta e prolongada assim,
Impulsiona a minha alma sem canseira,
Para o mundo esquisito do senfim!

E eu marcho resoluto para a frente!
Cai-me a chuva nos ombros, de repente
Eu mais apresso a minha caminhada!

E assim prossigo nesse sonho eterno,
Sob a sentença de um constante inverno,
Sem promessas de sol na minha estrada!


Jansen Filho
In: Obras Completas

terça-feira, 16 de abril de 2013

CITAÇÃO



Devagarinho, a luz estende seus braços ao longe,
até onde os olhos, ainda meio adormecidos,
conseguem enxergar.
É de sonhos que despertam as árvores, as flores,
as aves! É de viagens por mundos impossíveis
que arribam as maravilhas desta realidade,
tão improvável como certa, tão imprevisível
como esperada, acessível como a utopia, 
desafio, jogo de contingências, porém,
promessa de imortalidades! (...)

Joaquim do Carmo
(in "Alvorada")

sábado, 13 de abril de 2013

MÚSICA



Noite perdida,
não te lamento:
embarco a vida

no pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,

puro e sem nada,
- rosa encarnada,
intacta, ao vento.

Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,

e ressuscitada...
(Asa da lua
quase parada,

mostra-me a sua
sombra escondida,
que continua

a minha vida
num chão profundo!
- raiz prendida

a um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,

muda alvorada
que o pensamento
deixa confiada

ao tempo lento...
Minha partida,
minha chegada,

é tudo vento...

Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada...


Cecília Meireles,
in Viagem

quinta-feira, 11 de abril de 2013

FIM



O que eu perdi não foi um sonho bom,
não foi o fruto a embebedar meus lábios,
não foi uma canção de raro som,
nem a graça de alguns momentos sábios.

O que eu perdi, como quem perde uma outra infância,
foi o sentido do enternecimento,
foi a felicidade da ignorância, foi, em verdade, 
na minha carne e no meu pensamento,
a última rubra flor do fim da mocidade.

E dói – não esse gesto ausente, a que se apagam
as flores mais solares, mas uma hora, 
-flor de momento numa breve aurora-
hora longínqua, esquiva e para sempre morta,
em cuja escura, inacessível porta
noturnos olhos cegamente vagam.

Abgar Renault
de 'Obra Poética'

quarta-feira, 10 de abril de 2013

NAVEGANTE


e fica estabelecido
a cada manhã
o milagre da vida
como um jorro 
que nascesse das entranhas
da terra.

amealhar o tempo
o que pousa por sobre 
os telhados
como ave de bom agouro

como um girassol busca o sol
e um navegante solitário
busca os insondáveis segredos
do vento
assim
do outro lado do rio
um coração marca as horas
à espera do teu

Roseana Murray,
in Poesia Essencial

sexta-feira, 5 de abril de 2013

TARDE SOLAR



Quando eu partir, quando eu partir de novo
A alma e o corpo unidos,
Num último e derradeiro esforço de criação;
Quando eu partir...

Como se um outro ser nascesse
De uma crisália prestes a morrer sobre um muro estéril,
E sem que o milagre se abrisse
As janelas da vida. . .

Então pertencer-me-ei.
Na minha solidão, as minhas lágrimas
Hão-de ter o gosto dos horizontes sonhados na adolescência,
E eu serei o senhor da minha própria liberdade.

Nada ficará no lugar que eu ocupei.
O último adeus virá daquelas mãos abertas
Que hão-de abençoar um mundo renegado
No silêncio de uma noite em que um navio
Me levará para sempre.

Mas ali
Hei-de habitar no coração de certos que me amaram;
Ali hei-de ser eu como eles próprios me sonharam;
Irremediavelmente...
Para sempre.

Ruy Cinatti 
In "Nós Não Somos deste Mundo"

quinta-feira, 4 de abril de 2013

CREPÚSCULO


-Estrelas não!
Pedaços de almas tristes
Que a noite acende pra enfeitar o céu.

Colombo de Sousa
In: Estágio



segunda-feira, 1 de abril de 2013

POETA



Venho do fundo das Eras
Quando o mundo mal nascia...
Sou tão antigo e tão novo
Como a luz de cada dia!  

Mário Quintana