segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

SONHO VIGÍLIA, MADRUGADA...




Sonho, vigília, noite, madrugada?
Um a um, desfolhei os sete véus,
e adormecido o corpo, a alma acordada,
um a um, escalei os sete céus.

Sem limites de tempo nem espaço,
quanto tempo durou minha viagem?
Andei mundos sem dor e sem cansaço,
ficou, em meu lugar, a minha imagem.

Agora, de regresso, cumpro a pena.
Tudo esqueci dessa abismal distância
mas algo é diferente: volto à arena
com uma nova inocência, um gosto a infância.

Serena, com uma paz desconhecida,
aceito, sem revolta, a humana sorte:
viver, da Vida, esta pequena vida,
morrer, da Morte, esta pequena morte.



Fernanda de Castro,
in Poesia II






quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

NOTURNO




Sol posto... É quase a hora da saudade.
Nasce a noite da própria claridade
que ainda se estende pelos campos fora.
Um sino na distância... É quase a hora
do silêncio, do mar e das estrelas.
Estas nuvens irreais são caravelas
que vão levar-nos para lá da vida.
É esta a hora suave, enternecida,
em que não apetece falar alto.
Na sua voz profunda de contralto
reúne o mar as vozes de mil almas.
Vamos sonhar... Há nestas horas calmas
tantos sonhos errantes, que é pecado
abandonar p que nos passa ao lado.
Nada perturba o sono dos jardins.
Enlaçam-se as glicínias e os jasmins
na paz noturna, idílica, das flores.
Tomam a mesma cor todas as cores,
bate o luar em todos os caminhos,
dormem perto do céu, todos os ninhos.
Em passos de ladrão que se acautela,
a noite desce, azul e misteriosa.
Fechou-se agora a última janela.
Adormeceu a derradeira rosa.

Fernanda de Castro
em Trinta e Nove Poesias –

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

MANOEL DE BARROS




Eu conheço. Eu sei. Metade do sol já se foi
tomado por pássaros.

Manoel de Barros
in Matéria de Poesia|