quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

MUNDO MORTO




Resto de tarde já de si vazia, 
viva sombra da noite antecipada.
A chama esvai-se, apaga-se o teu dia
que, pesadas as coisas, não foi nada.

Pensar em tudo: no horizonte mudo,
no visto, no sonhado, no vivido,
e sentir, como um bêbado, que tudo
surge sem forma: nada tem sentido.

Coisas ida, presentes e futuras,
tudo se tece de uma vaga bruma,
um compor de mil formas tão obscuras

que não se sabe quando nasce o dia
e, quando nasce, ninguém vê nenhuma
luz. Ó dia cansado de ser dia! 


Emílio Moura
In: Itinerário Poético

A NOITE TOMBA DE REPENTE




Assisto a tudo, serenamente,
como quem nunca viveu.
A noite tomba de repente.

Hora de olhar e não ver nada,
hora discreta, fina, que eu
sinto fugir, abandonada.

Um grito rasga o céu sereno.
Ah! para que anda no infinito
aquele grito?

A noite veio como um doente
que bebe as horas como um veneno.

E eu olho tudo, serenamente.

Mas o grito que rola e enche todo o infinito,
e desce à terra e sobe ao céu,
esse grito, entretanto,
vem de mim mesmo, num desencanto,

é MEU!...

Emílio Moura
de Itinerário Poético


COMO A NOITE DESCESSE...



Como a noite descesse e eu me sentisse só, só e desesperado
 diante dos horizontes que se fechavam
gritei alto, bem alto: ó doce e incorruptível Aurora! e vi logo
só as estrelas é que me entenderiam.

Era preciso esperar que o próprio passado desaparecesse,
ou então voltar à infância.
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao coração trêmulo:
- É por aqui!

Onde, entretanto, quem me dissesse
ao espírito cego:
- Renasceste: liberta-te!

Se eu estava só, só e desesperado,
por que gritar tão alto?
Por que não dizer baixinho, como quem reza:
- Ó doce e incorruptível Aurora...

se só as estrelas é que me entenderiam? 

Emílio Moura,
de Itinerário Poético



FIM DE JORNADA


 
Caminhar ao encontro da noite.
Como o camponês regressa ao lar.
Após um longo dia de verão.
 
Sem pressa ou cuidado.
Na tarde ouro e cinza.
Sozinho entre os campos lavrados.
E as colinas distantes.
 
Caminhar, ao encontro da noite.
Sem pressa ou cuidado.
A noite é somente uma pausa de sombra.
Entre um dia e outro dia.
 
 
Helena Kolody,
in Vida Breve


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A TARDE CAI LENTAMENTE




Como quem olha pela última vez o destino
das sombras, a tarde cai, lentamente,
retomando aromas e sons
que a claridade do dia preteriu.
É, então, que ressaltam as emoções,
desordenadamente guardadas no peito
e os pássaros voam, quase loucos,
à procura do sol.

Graça Pires
De Quando as estevas entraram no poema, 2005



NOCTURNO




Desprotegida a noite foi assaltada por memórias
Azul profundo
Carmim
Amarelas
Seus braços abertos se encheram de sono
Seu cabelo solto de vento
Seus olhos de silêncio.

 Odysseus Elytis
 -Sete Nocturnos (5)


segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

''SONETO DA TARDE''




Não digo que o sol pare, nem suplico
que teu cabelo não se faça branco.
Nos segredos serenos que fabrico
vive um pouco de mago e saltimbanco.

mas te desejo simples, natural,
e que o dia na tarde amadureça.
Venceste muita noite e temporal.
Confia em que outra vez ainda amanheça.

O teu reino da infância sempre aberto
guarda o campo e os brinquedos infinitos
nas cores puras, sob o céu coberto.

Nos cajueiros, os pássaros... Os gritos
infantis... Mas a ronda neles nasce
e embranquece o cabelo em tua face.

Odylo Costa Filho
in: Boca da Noite'