quarta-feira, 28 de agosto de 2013

AZUL-TARDE




Ó pura, maravilhosa visão
- quando entre púrpura e ouro,
grave e propício, vais baixando em paz,
resplandecente azul do céu da tarde!

Lembras um mar azul onde a fortuna
com a âncora se encerra
num bendito repouso.Cai do remo
a última gota de mágoa da terra.

Hermann Hesse
In Andares

domingo, 25 de agosto de 2013

SOA O SILÊNCIO...



Soa o silêncio e apagam-se os ruídos.
Só de uma rosa o aroma, de repente,
na sombra, como em cítara dolente,
dedilha o dédalo dos dias idos.

Onestaldo de Pennafort,
in Poesia

UMA CANÇÃO




Por detrás dos meus olhos há águas
Tenho de as chorar todas.
 
Tenho sempre um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.
 
Respirar cores com os ventos
Nos grandes ares.
 
Oh, como estou triste...
O rosto da lua bem o sabe.
 
Por isso, à minha volta há muita devoção aveludada
E madrugada a aproximar-se.
 
Quando as minhas asas se quebraram
Contra o teu coração de pedra,
 
Caíram os melros, como rosas de luto,
Dos altos arbustos azuis.
 
Todo o chilreio reprimido
Quer jubilar de novo
 
E eu tenho um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.
 
 
Else Lasker-Schüler*

sábado, 24 de agosto de 2013

CÉU ÉBRIO


 
bebeu
todo vinho
suave da noite 
 
quebrou
sua taça
infinita de estrelas
 
 
e acordou
solarmente na rua
com bandos de aves
no terno azul

 
Adriano Winter
Porto Alegre

SEM RETORNO



Nada se repete na travessia.
Longa despedida sem retorno.
Marcos de nunca mais
balizam o contínuo transformar-se.
 
Vivos desenhos de sombra
sublinham o passante
e se desvanecem
ao anoitecer.

 
Helena Kolody
in ‘Viagem no Espelho’

NÉVOAS



À frente a lua, atrás os sonhos,
 
qual a distância a percorrer?
Não a suspeitam nossos olhos:
a bruma sobe das estradas
e desorienta homens e bússolas.
 
Mesmo que voássemos bem alto,
e os céus se abrissem para nós,
nem mesmo assim divisaríamos
os frutos rubros que buscamos
pelos pomares das estrelas.
 
Como condores, fronte a pino,
cortando os ares meio tontos,
em vez de dar com o rumo certo
cairíamos na terra cega,
ruiríamos no mar opaco.
 
Este é o castigo que nos deram:
imaginar com vista ousada,
porém achar grossas neblinas
fechando o mundo que buscamos
por tê-lo visto em pensamento.
 
E assim deixamos para trás
os sonhos, deuses compassivos:
sem os podermos contemplar
olhamos como um branco enigma
- nevoentos, zonzos os caminhos –
 
somente a lua à nossa frente. 

 
Péricles Eugênio da Silva Ramos
in A Noite da Memória

ARTE SACRA NO AMANHECER



sol nascente
na flora ardente
 
fachos-narcisos
orvalhos-espelhos
 
flutuam pólens
à contra-luz
 
matizes de verdes
sob pássaros vários
 
aleia de caules
onde o vento ecoa

 
Adriano Wintter

BALADA PARA A LUA



Era, na noite nua,
Só, sobre a torre, ali,
A lua,
Um ponto sobre um i. 
 
Lua, que alma sutil
Tem à ponta de um fio,
Vazio,
Teu rosto e teu perfil? 
 
Olho do céu caolho?
Que anjo mau nos devassa
Do olho
De tua máscara baça? 
 
Ou serás uma bola,
Aranha dos espaços
Que rola
Sem patas e sem braços? 
 
És, já divago à-toa,
Velho relógio eterno
Que soa
Aos que vão para o inferno?
  
Na face em que os espias
Contam eles a idade
Dos dias
Da sua eternidade? 
 
É um verme que te come
Quando teu disco enorme
Já some
Em crescente disforme? 
 
Quem te vazou o olho
Outra noite? Bateste
No escolho
De um agudo cipreste? 
 
Por que, pálida, foi-se
Postar em minha tela
Tua foice
Através da janela? 
 
Vai, lua morredoura,
Febe, de torso pulcro,
A loura,
No mar já tem sepulcro. 
 
Dela és somente a face
Onde, em rugas, e presto
Esvai-se
Teu rosto sem o resto. 
 
Que a caçadora venha,
Alvura virginal,
E tenha
Seu cervo matinal. 
 
Sob a aura que irmana
Plátanos e pinheiros,
Diana
E seus galgos ligeiros. 
 
O cervo em sua gruta,
À beira do rochedo,
A escuta
De longe, meio a medo. 
 
Seguindo a sua caça
Por vales e vergéis
Já passa
O bando de lebréis. 
 
À tarde, em meio à brisa,
Diana à sua presa
Divisa,
Um pé na água, surpresa. 
 
Febe, que, noite afora,
Nos lábios de um pastor
Demora
Qual beija-flor na flor. 
 
Lua, em nossa memória,
Do teu amor demente
A história
Te louva eternamente.
 
Sempre jovem e linda,
Serás a toda a gente
Benvinda,
Lua cheia ou crescente. 
 
Te amará o navegante
No convés do navio
Ondeante
Sob o céu claro e frio. 
 
E te amará o pastor
Enquanto ao teu tesouro
Sem cor
Seus cães latem em coro. 
 
E a menina veloz que
Caminha, pé no chão,
No bosque,
Cantando uma canção. 
 
Como um urso algemado,
Sob os teus olhos geme,
Domado,
O Oceano sem leme. 
 
E, faça chuva ou vento,
Eu mesmo, noite alta,
Me sento
Sem saber o que falta, 
 
Vendo, na noite nua,
Só, sobre a torre, ali,
A lua,
Um ponto sobre um i.

 
Alfred Musset
Tradução de Augusto de Campos.


A MINHA ESTRELA


[A meu irmão Aprígio dos Anjos]

E eu disse – Vai-te, estrela do Passado!
Esconde-te no Azul da Imensidade,
Lá onde nunca chegue esta saudade,
- A sombra deste afeto estiolado.

Disse, e a estrela foi p’ra o Céu subindo,
Minh’alma que de longe a acompanhava,
Viu o adeus que do Céu ela enviava,
E quando ela no Azul foi-se sumindo

Surgia a Aurora – a mágica princesa!
E eu vi o Sol do Céu iluminando
A Catedral da Grande Natureza.

Mas a noite chegou, triste, com ela
Negras sombras também foram chegando,
E nunca mais eu vi a minha estrela!


Augusto dos Anjos


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

INTERROGAÇÃO



Sozinho, sozinho, perdido na bruma.
Há vozes aflitas que sobem, que sobem.
Mas, sob a rajada ainda há barcos com velas
e há faróis que ninguém sabe de que terras são.

- Senhor, são os remos ou são as ondas o que dirige o meu barco?
Eu tenho as mãos cansadas
e o barco voa dentro da noite.

Emílio Moura
de Itinerário Poético

MUNDO IMAGINÁRIO



Sob o olhar desta tarde,
quantas horas revivem
e morrem
de uma nova agonia? Velhas feridas se abrem,
de novo somos julgados, o que era tudo some-se
e num mundo fechado outras vigílias doem.

A noite se organiza e, no entanto, ainda restam
certas luzes ao longe. Ah, como encher com elas
este ser já não-ser que se dissolve e deixa
vagos traços na tarde?


Emílio Moura

PRELÚDIO CREPUSCULAR



No poente
silente
os choupos esguios
balançam
e dançam
refletidos
nos lagos adormecidos
e frios.

A bruma
esfuma
a paisagem
onde a sombra
ensombra
a ramagem.

A claridade amortece...

E, lenta, a noite desce
sobre o jardim,
enquanto fico a relembrar
a tarde em que sobre mim
eu tive o teu olhar.

A claridade amortece...

E nos espelhos gelados
projetam-se magoados
os altos choupos esguios
por entre as sombras das rosas,
que finas e veludosas
perfumam os lagos frios.

No céu, porém, claro e fino
como o teu olhar cristalino
uma estrela cintila,
e espelha-se na água dormente,
enquanto o poente
vacila...


Alfredo Cumplido de Sant'Anna
In Poemas e Legendas

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A LUA BRANCA



II

Antes que apagues teu brilho, 
nívea estrela matutina, 
(no tomilho 
a codorniz trina, trina!) 

volve ao poeta, cujo olhar 
o amor cegou como um véu, 
(com o dealbar, 
sobe a cotovia ao céu!) 

teu olhar, que se diria 
banhado na luz da aurora, 
(que alegria 
vai pelos trigais em fora!) 

e leva o meu pensamento, 
longe, além, lá, bem distante, 
(com o relento 
o feno ficou brilhante!) 

no almo sonho em que não cessa 
de se embalar o meu bem, 
(mas depressa, 
que o sol dourado já vem!). 


PAUL VERLAINE
Tradução de Onestaldo de Pennafort

A LUA BRANCA



A lua branca
brilha no bosque.
De ramo em ramo,
parte uma voz que
vem da ramada.

Oh! bem-amada! 

Reflete o lago,
como um espelho,
o perfil vago
do êrmo salgueiro
que ao vento chora. 

Sonhemos, é hora...

Como que desce
uma imprecisa
calma infinita
do firmamento
que a lua frisa. 

É a hora indecisa... 

A lua branca
luz sobre o bosque.
De cada ramo,
ouço uma voz
vem da folhagem:

Oh! bem-amada!

O lago reflete,
profundo espelho,
o vulto vago
daquele salgueiro
que uiva ao vento.

Sonhar é a hora...

Do espaço desce
uma entranhada
calma imprecisa
o céu estrelado a lua irisa.

A hora indecisa...


PAUL VERLAINE

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

MIRADOIRO



Não sei se vês, como eu vejo,
Pacificado,
Cair a tarde
Serena
Sobre o vale,
Sobre o rio,
Sobre os montes
E sobre a quietação
Espraiada da cidade.
Nos teus olhos não há serenidade
Que o deixe entender.
Vibram na lassidão da claridade.
E o lírico poema que me acontecer
Virá toldado de melancolia,
Porque daqui a pouco toda a poesia
Vai anoitecer.

Miguel Torga

terça-feira, 13 de agosto de 2013

O SONO



Quando os relógios da meia-noite oferecerem
Um tempo generoso,
Irei mais longe que os remadores de Ulisses,
À inacessível região do sono,
À memória humana.
Dessa região imersa resgato restos
Que nunca chego a compreender:
Ervas de botânica simples,
Animais um pouco diferentes,
Diálogos com os mortos,
Rostos que são na verdade máscaras,
Palavras de línguas muito antigas
E às vezes um horror incomparável
Ao que nos pode dar o dia.
Serei ninguém ou todos. Serei o outro
Que sem saber eu sou, o que observou
Esse outro sono, a minha vigília. Julga-a,
Resignado e sorridente.


JORGE LUIS BORGES,
 in A ROSA PROFUNDA,

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

TEMPESTADE



Suspiraram as rosas
e surpreendidas e assustadas
esconderam-se nos seus veludos.

Não eram borboletas!
Nem rouxinóis!
Não eram pavões que passavam pelo jardim.

De um céu ruidoso
caíam essas grandes asas luminosas e inquietas.
Relâmpagos azuis voavam entre os canteiros,
retalhando os lagos.

Tremiam veludos e sedas,
e o pólen delicado,
na noite violenta,
alta demais,
despedaçada,
despedaçante.

Ah, como era impossível
suster a forma das rosas! 


Cecília Meireles
In ‘Amor em Leonoreta’

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

RICARDO REISi



Para ser grande, sê inteiro: nada 
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe
quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

MANOEL DE BARROS



Hoje eu recebi procuração de
um pássaro para abrir a manhã e
fechar o anoitecer."

Manoel de Barros