domingo, 27 de janeiro de 2013

TEMPO DE ESQUECER...


Sabes que sou como um rio abandonado
no sedento leito do esquecimento,
e a tua vã lembrança tão unido
como a água ao seu céu refletido;

Sabes que sou como o tempo desfolhado
na mão final do que foi perdido
e, como um horizonte proibido,
me envolves o sonho vigilante;

Sabes que sou como o ar, destinado 
ao vôo de tuas aves, som ferido
surdido rouxinol e enamorado:

Sobre este coração crepuscular
e por turvas marés assaltado,
tornas-te nuvem voando para o esquecimento.

Eduardo Carranza
In Antologia Poética 

sábado, 26 de janeiro de 2013

OCASO



"É do ocaso que te quero falar:
- Da angústia que se esvai;
Com ela o sol.
Da hora em que o silêncio ainda é tão leve
que nem sequer a brisa o trai.

(…)
Quero falar-te do desassossego dos pássaros,
prenúncio da calma de mais uma noite,
e, da paz intensa, mas tão breve,
que gostava de partilhar contigo…"

Manuel Filipe

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

ENTRE A SOMBRA...



Entre a sombra e a noite há um submisso instante
de preparação.
Aberto espaço onde aves não cantam, 
imaculado, instantâneo refúgio.
Entre a sombra e a noite, único passo!

— E é serena e frágil a presença
dos nossos vultos passageiros
isolados na própria condição.

Onde nada se move, uma estrela suspensa.

E tão inutilmente despedaço o encanto,
e tão súbita me vem uma tristeza antiga,
que entre a sombra e a noite encontro o meu refúgio
— o intocável, único espaço.


Maria Alberta Menéres

PENUMBRAS



Bom dia, estrela pequenina,
Que, distraída de sua grandeza,
Soltou-se de suas alças
E caiu a meus pés!

Por que quer abandonar suas iluminâncias
E vir estar aqui comigo cavando minhas penumbras
Neste gineceu que inventei dentro de mim?

Quer, sei, trocar comigo experiências.
Mas, digo-lhe:
- Eu não tenho nenhuma experiência nova
Que seja digna de ser ofertada a você como troca.

É laudável este amor que me devota,
Ao querer trocar sua infinidade celeste 
Pela pequenez de meu espectro cinzento
E sua luminosidade incorpórea 
Pela minha rotina de sombra ofuscada. 

É que, mesmo tendo olhos azuis,
Tenho visto as coisas com olhos cinzas,
E você pequenina como é
quererá vê-las com olhos da cor de mel.

Não ando sendo boa companhia, minha pequenina estrela!
Deve voltar pra sua altura inatacável
Se não, vai morrer antes do tempo,
E não convém a uma estrela,
Pequenina como você,
Morrer precocemente!

Oswaldo Antonio Begiato



SUGESTÕES DO CREPÚSCULO


I e IV

Ao pôr do sol, pela tristeza
Da meia-luz crepuscular, 
Tem a toada de uma reza
A voz do mar 

Aumenta, alastra e desce pelas
Rampas dos morros, pouco a pouco,
O ermo de sombra, vago e oco,
Do céu sem sol e sem estrelas. 

[...]
No seu clamor esmorecido 
Vibra, indistinta e espiritual, 
Alguma coisa do gemido 
De um órgão numa catedral 

E pelas praias aonde descem 
Do firmamento - a sombra e a paz; 
E pelas várzeas que emudecem 
Com os derradeiros sabiás; 

Ouvem os ermos espantados 
Do mar contrito no clamor 
A confidência dos pecados 
Daquele eterno pecador 

Escutem bem... Quando entardece, 
Na meia-luz crepuscular 
Tem a toada de uma prece 
A voz tristíssima do mar..."

Vicente de Carvalho
Excertos de 'Sugestões do Crepúsculo)

MATINA



Noite! Cesse o teu ar imoto e quedo! 
Quero manhã! todos os sons que vazas! 
Fujam do ninho ao lépido segredo 
Todas as bulhas de reflantes asas. 

Sol! tu que a terra fecundando a abrasas. 
Desce da aurora em raio doce e a medo, 
Todas as luzes travessando o enredo 
Diáfano e leve das nevoentas gazas. 

Telas festivas deslumbrai-me a vista! 
Cantos alegres desferi-me em roda 
Em toda a luz, em todo o som que exista. 

E a natureza toda em harmonia, 
Iluminada a natureza toda, 
Surja gloriosa no raiar do dia. 

Emílio de Meneses

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

SONHOS NO CREPÚSCULO



Sonhos no crepúsculo,
Apenas sonhos encerrando o dia,
Retornando-o com tal desfecho,
Aos tons cinza, escurecidos,
Às coisas fundas e longínquas
Do território dos sonhos.

Sonhos, apenas sonhos no crepúsculo,
Apenas as rotas imagens lembradas
Dos tempos idos, quando o ocaso de cada dia
Escrevia em prantos as perdas da afeição.

Lágrimas e perdas e sonhos desfeitos
Talvez acolham teu coração
ao anoitecer.


Carl Sandburg
Tradução de Fernando Campanella



terça-feira, 22 de janeiro de 2013

OS RIOS



Magoados ao crepúsculo dormente,
Ora em rebojos galopantes, ora
Em desmaios de pena e de demora,
Rios, chorais amarguradamente.

Desejais regressar... Mas, leito em fora,
Correis... E misturais pela corrente
Um desejo e uma angústia, entre a nascente
De onde vindes, e a foz que vos devora.

Sofreis da pressa, e, a um tempo, da lembrança...
Pois no vosso clamor, que a sombra invade,
No vosso pranto, que no mar se lança,

Rios tristes! agita-se a ansiedade
De todos os que vivem de esperança,
De todos os que morrem de saudade...

Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

MANHÃ



Silenciosa manhã ! A minha estrada,
prevendo longe tanto céu desperto,
acorda a linha dúbia do deserto
e embarca na distância iluminada.

De entressonhar o teu fulgor tão perto,
recompõe-se partida badalada
e enganoso esplendor de tudo ou nada
ilude gasto calendário aberto.

O desejoso chão de águas chorosas,
este ar, a cor de dúvida das rosas
esperam com seu canto retardio

a chegada sem voz do teu minuto,
teu sorrir, tua luz, teu verde fruto
e o jamais do teu fúlgido navio.

Abgar Renault,
in Obra Poética 

domingo, 13 de janeiro de 2013

TEMPO DE ESQUECER



que sou como um rio abandonado
no sedento leito do esquecimento,
e a tua vã lembrança tão unido
como a água ao seu céu refletido;

Sabes que sou como o tempo desfolhado
na mão final do que foi perdido
e, como um horizonte proibido,
me envolves o sonho vigilante;

Sabes que sou como o ar, destinado
ao vôo de tuas aves, som ferido
surdido rouxinol e enamorado:

Sobre este coração crepuscular
e por turvas marés assaltado,
tornas-te nuvem voando para o esquecimento.

Eduardo Carranza
In Antologia Poética 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

BRUMAS



Nas brumas dos meus silêncios
Nascem visões encantadas,
Com ninfas, bruxas e fadas,
Sonhos de amor, sempre densos.
 
Nas brumas dos meus silêncios,
Onde os mistérios são nada,
Surgem paixões exaltadas,
Feitas desejos, imensos.
 
Nascem lembranças, eivadas
De sensações adiadas
E cheiros breves, intensos,
 
Sem ilusões ansiadas,
Em desespero, guardadas
Nas brumas dos meus silêncios.
 
Vitor Cintra 

HAICAI



No final do inverno
a tarde pinta de azul
o vento passeia...

Delores Pires 



RECONSTRUÇÃO



Um silencio
triste
na sombra
da noite.
O quarto
vazio.
Pessoas
distantes.
O sono
não vem.
À luz 
mortiça
construo
meu dia
onde
não há
o bulício
das ruas,
o palmilhar
das pessoas,
o riso
das crianças,
o fru-fru
das saias,
mas,
apenas,
o silencio
na sombra
da vida!

Delores Pires,
In: A Estrela e a Busca

PAUTA



Ao amanhecer
nas pautas do fio de luz
notas de andorinhas...

Delores Pires,
in O Livro dos haicais

DESESPERANÇA



Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.
Como dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que penosa lassidão em cada músculo...

O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento
Que dá medo... O ar, parado, incomoda, angustia...
Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimento.

Assim deverá ser a natureza um dia,
Quando a vida acabar e, astro apagado, a Terra
Rodar sobre si mesma estéril e vazia.

O demônio sutil das nevroses enterra
A sua agulha de aço em meu crânio doído.
Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...

Minha respiração se faz como um gemido.
Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,
Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.

Por onde alongue o meu olhar de moribundo,
Tudo a meus olhos toma um doloroso aspecto:
E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.

Vejo nele a feição fria de um desafeto.
Temo a monotonia e apreendo a mudança.
Sinto que a minha vida é sem fim, sem objeto...

— Ah, como dói viver quando falta a esperança!

Manuel Bandeira

OS FILHOS SÃO FIGURAS ESTREMECIDAS



Os filhos são figuras estremecidas
e, quando dormem, a felicidade
cerra-lhes as pálpebras, toca-lhes
os lábios, ama-os sobre as camas.
É por mim que chamam quando temem
o eclipse e o temporal. Trazem nos cabelos
o aroma do leite e da festa das rosas.
Voam-me por entre os dedos, por entre
as malhas da rede de espuma
que lanço a seus pés. Reinam
num sítio de penumbra onde não 
me atrevo sequer a dizer quem sou.

José Jorge Letria,
in "Os Achados da Noite"



quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

LUZ INTERIOR



Não de luz, mas de sombra são meus versos,
humildes desajustados,
como quem vem de longe e se arreceia
de inesperado encontro.
A sombra é luz filtrada esmaecida
homóloga à vida interior reflexa
manso fluir de águas profundas
numa réstea de musgo e pedras brancas.
Não é à plena luz do sol a pino
mas quando ele se quebra no horizonte
que o espírito perplexo se inclina
e vê na sombra o que a luz lhe esconde.

Miguel Reale

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

PAISAGEM


 
A névoa que desde manhã fechava
as portas todas ao rio foi-se embora.
A luz é fria: esta é agora
a minha terra, o outono.
Todas as terras são afinal as mesmas
folhas cobrindo a relva, às vezes
cintilando quando o sol rasga a névoa.  
 
No silêncio da terra


Eugénio de Andrade


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

MEDITAÇÃO



Às vezes, quando a noite vem caindo, 
Tranquilamente, sossegadamente, 
Encosto-me à janela e vou seguindo 
A curva melancólica do Poente. 

Não quero a luz acesa. Na penumbra, 
Pensa-se mais e pensa-se melhor. 
A luz magoa os olhos e deslumbra, 
E eu quero ver em mim, ó meu amor! 

Para fazer exame de consciência 
Quero silêncio, paz, recolhimento 
Pois só assim, durante a tua ausência, 
Consigo libertar o pensamento. 

Procuro então aniquilar em mim, 
A nefasta influência que domina 
Os meus nervos cansados; mas por fim, 
Reconheço que amar-te é minha sina. 

Longe de ti atrevo-me a pensar 
Nesse estranho rigor que me acorrenta: 
E tenho a sensação do alto mar, 
Numa noite selvagem de tormenta. 

Tens no olhar magias de profeta 
Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas... 
Adivinhas... Serei a borboleta 
Que vendo a luz deixa queimar as asas. 

No entanto — vê lá tu!— Eu não lamento 
Esta vontade que se impõe à minha... 
Nem me revolto... cedo ao encantamento... 
— Escrava que não soube ser Rainha! 

Fernanda de Castro,
 in "Antemanhã"
 
 
 
 

domingo, 6 de janeiro de 2013

SUBIA A LUA, LEVE...



Um luar fluido e veludoso como um bálsamo
Ungia a noite voluptuosa e ardente.
A sua luz era tão branca que tornava o céu diáfano...
Subia a lua leve como o pensamento.

Eu dialogava com o silêncio... Uma toada rústica
De flautas e violões transportou-me à saudade.
E, abstrato de mim mesmo, eu te bendisse, ó música,
Que da tristeza de pensar me libertavas!


Da Costa e Silva
in: Poesias Completas 

CANÇÃO



Passa o vento de outono
derrubando a tarde:
caem torres douradas,
folhas azuis caem.
 
E passa o tempo louco
derrubando os sonhos:
caem torres de amor,
trêmulas folhas caem.
 
No vazio cai,
sem fim, meu coração.
Nada pode salvar-me.
Deus sabe que estou morto.
 
Sobre mim passa um rio
de esquecimento sem remédio.
Acima cruzam flores.
Sei que ninguém me ouve.


Eduardo Carranza,
In: Antologia Poética