segunda-feira, 30 de setembro de 2013

MATINA



Noite! Cesse o teu ar imoto e quedo! 
Quero manhã! todos os sons que vazas! 
Fujam do ninho ao lépido segredo 
Todas as bulhas de reflantes asas. 

Sol! tu que a terra fecundando a abrasas. 
Desce da aurora em raio doce e a medo, 
Todas as luzes travessando o enredo 
Diáfano e leve das nevoentas gazas. 

Telas festivas deslumbrai-me a vista! 
Cantos alegres desferi-me em roda 
Em toda a luz, em todo o som que exista. 

E a natureza toda em harmonia, 
Iluminada a natureza toda, 
Surja gloriosa no raiar do dia. 

Emílio de Menezes



FESTA NOTURNA




O sol
vestiu o entardecer
com rendas douradas,
violetas e azuis...
Para a festa da noite,
a lua cheia
transformou-se
em prateada medalha
e enfeitou
o peito redondo do infinito...


Adélia Maria Woellner

A CHEGADA



Noite de chuva tétrica e pressaga. 
Da natureza ao íntimo recesso 
Gritos de augúrio vão, praga por praga, 
Cortando a treva e o matagal espesso. 

Montes e vales, que a torrente alaga, 
Venço e à alimáría o incerto passo apresso. 
Da última estrela à réstia ínfima e vaga 
Ínvios caminhos, trêmulo, atravesso. 

Tudo me envolve em tenebroso cerco 
D'alma a vida me foge, sonho a sonho, 
E a esperança de vê-la quase perco. 

Mas uma volta, súbito, da estrada 
Surge, em auréola. o seu perfil risonho, 
Ao clarão da varanda iluminada

Emílio de Menezes

sábado, 28 de setembro de 2013

CREPÚSCULO



Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes 
Batendo as asas leves, irisadas, 
Poisam nos meus, suaves e cansadas 
Como em dois lírios roxos e dolentes... 

E os lírios fecham... Meu Amor, não sentes? 
Minha boca tem rosas desmaiadas, 
E as minhas pobres mãos são maceradas 
Como vagas saudades de doentes... 

O Silencio abre as mãos... entorna rosas... 
Andam no ar carícias vaporosas 
Como pálidas sedas, arrastando... 

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha 
Um coração ardente palpitando... 


Florbela Espanca
«Livro de Sóror Saudade»
1923

CINZENTO



Poeiras de crepúsculos cinzentos, 
Lindas rendas velhinhas, em pedaços,
Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços 
Como brancos fantasmas, sonolentos... 

Monges soturnos deslizando lentos, 
Devagarinho, em mist'riosos passos... 
Perde-se a luz em lânguidos cansaços... 
Ergue-se a minha cruz dos desalentos! 

Poeiras de crepúsculos tristonhos, 
Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos, 
A névoa das saudades que deixaste! 

Hora em que o teu olhar me deslumbrou... 
Hora em que a tua boca me beijou... 
Hora em que fumo e névoa te tornaste... 


Florbela Espanca
«Livro de Sóror Saudade»
1923

TARDE DEMAIS...



Quando chegaste enfim, para te ver 
Abriu-se a noite em mágico luar; 
E pra o som de teus passos conhecer 
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar... 

Chegaste enfim! Milagre de endoidar! 
Viu-se nessa hora o que não pode ser: 
Em plena noite, a noite iluminar; 
E as pedras do caminho florescer! 

Beijando a areia d'oiro dos desertos 
Procura-te em vão! Braços abertos, 
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor! 

E há cem anos que eu fui nova e linda!... 
E a minha boca morta grita ainda:
"Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!..." 


Florbela Espanca
«Livro de Sóror Saudade»
1923


ANOITECER




A luz desmaia num fulgor d'aurora, 
Diz-nos adeus religiosamente... 
E eu, que não creio em nada, sou mais crente 
Do que em menina, um dia, o fui... outrora...

Não sei o que em mim ri, o que em mim chora 
Tenho bênçãos d'amor pra toda a gente! 
Como eu sou pequenina e tão dolente 
No amargo infinito desta hora! 

Horas tristes que são o meu rosário...
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Meu áspero e intérmino Calvário! 

E a esta hora tudo em mim revive: 
Saudades de saudades que não tenho... 
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive... 


Florbela Espanca
«Livro de Sóror Saudade»
1923



A NOITE DESCE..



 
Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas, 
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas 
Que os meus olhos tristíssimos fechassem! 

Assim mãos de bondade me beijassem! 
Assim me adormecessem! Caridosas 
Em braçados de lírios, de mimosas, 
No crepúsculo que desce me enterrassem! 

A noite em sombra e fumo se desfaz... 
Perfume de baunilha ou de lilás, 
A noite põe embriagada, louca! 

E a noite vai descendo, sempre calma... 
Meu doce Amor tu beijas a minh'alma 
Beijando nesta hora a minha boca! 


Florbela Espanca
«Livro de Sóror Saudade»
1923

SOL POSTO



Sol posto. O sino ao longe dá Trindades
Nas ravinas do monte andam cantando
As cigarras dolentes... E saudades
Nos atalhos parecem dormitando...

É esta a hora em que a suave imagem
Do bem que já foi nosso nos tortura
O coração no peito, em que a paisagem
Nos faz chorar de dor e d'amargura...

É a hora também em que cantando
As andorinhas vão p'lo meio das ruas
Para os ninhos, contentes, chilreando...

Quem me dera também, amor, que fosse
Esta a hora de todas a mais doce
Em que eu unisse as minhas mãos às tuas!...


Florbela Espanca
In ‘O Livro D’ele’ (1915 – 1917)

A ESTA HORA...



A esta hora branda d'amargura,
A esta hora triste em que o luar
Anda chorando, Ó minha desventura
Onde estás tu? Onde anda o teu olhar?

A noite é calma e triste... a murmurar
Anda o vento, de leve, na doçura
Ideal do aveludado ar
Onde estrelas palpitam... Noite escura

Dize-me onde ele está o meu amor,
Onde o vosso luar o vai beijar,
Onde as vossas estrelas co fulgor

Do seu brilho de fogo o vão cobrir!
Dize-me onde ele está!... Talvez a olhar
A mesma noite linda a refulgir...


Florbela Espanca
In ‘O Livro D’ele’ (1915 – 1917)


AOS OLHOS D'ELE




É noite de luar casto e divino.
Tudo é brancura, tudo é castidade...
Parece que Jesus, doce bambino,
Anda pisando as ruas da cidade...

E eu que penso na suavidade
Do tempo que não volta, que não passa,
Olho o luar, chorando de saudade
De teus olhos claros cheios de graça!...

Oceanos de luz que procurando
O seu leito d'amor, andam sonhando
Por esta noite linda de luar...

Talvez o perfumado, o brando leito
Que procurais, ó olhos, no meu peito
Esteja à vossa espera a soluçar...


Florbela Espanca
In ‘O Livro D’ele’ (1915 – 1917)

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

MAIS



Mais do que tudo, odeio
Tantas noites em flor da Primavera,
Transbordantes de apelos e de espera,
Mas donde nunca nada veio.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética I

UM INSTANTE DO PENSAMENTO




A noite vai inchando no espaço
À espera das coisas, engendrando
A rosa frágil, a lâmina de aço.
A noite vai ungindo seres em seu ventre
Sob o hálito de elementos apodrecidos,
Vai criando átomos de aflições entre
O riso da criança e a presença dos lamentos.
O pranto nasce sobre os ramos,
Sob as sombras apagadas,
Devolve esperas além do tempo,
Desce sobre as faces superpostas,
Movimenta desígnios já mortos,
Grita obscenos desejos nas águas represadas
E canta a sua canção nos vales sem fundo.
A noite inchando no espaço,
Multiplicando a rosa frágil
E a lâmina de aço.

Adalgisa Nery
In Erosão (1973)

PAULO BOMFIM



Todas as coisas do Universo tem sua linguagem.
 Só a poesia pode guardar em sua essência a 
voz colorida das flores e as cismas do dia que morre.

Paulo Bomfim
de 'O colecionador de minutos'.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

VIA-LÁCTEA SONETO XXVIII


Pinta-me a curva destes céus... Agora, 
Erecta, ao fundo, a cordilheira apruma: 
Pinta as nuvens de fogo de uma em uma, 
E alto, entre as nuvens, o raiar da aurora. 
 
Solta, ondulando, os véus de espessa bruma, 
E o vale pinta, e, pelo vale em fora, 
A correnteza túrbida e sonora 
Do Paraíba, em torvelins de espuma. 
 
Pinta; mas vê de que maneira pintas... 
Antes busques as cores da tristeza, 
Poupando o escrínio das alegres tintas: 
 
— Tristeza singular, estranha mágoa 
De que vejo coberta a natureza, 
Porque a vejo com os olhos rasos d′água. 
 
 
OLAVO BILAC 
In Poesias 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

NA VOLTA



Os pássaros cantarão nas árvores tão lindas
Quando eu passar
A estrada será boa e macia
Quando eu passar
A brisa virá delicada das matas
E trará o perfume de todas as flores silvestres
Quando eu passar
A tarde cairá meiga e consoladora
Pelos caminhos
Quando eu passar
Depois derramará sua luz triste e branca
Quando eu passar
E dos ermos virão as vozes da natureza
Contar histórias doces e estranhas
Quando eu passar
Mas eu não ouvirei o cantar dos pássaros
Nem verei a maciez dos caminhos
Nem a poesia da tarde
Nem o mistério da noite
Nem as vozes das coisas da natureza
Passarei indiferente a tudo
Indiferente à beleza de todas as coisas que me cercam
Porque virá comigo tua imagem
Meu amor.

Augusto Frederico Schmidt

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

CREPÚSCULO NA MATA




Na tarde tropical, arfa e pesa a atmosfera.
A vida, na floresta abafada e sonora,
Úmida exalação de aromas evapora,
E no sangue, na seiva e no húmus acelera.

Tudo, entre sombras, - o ar e o chão, a fauna e a flora,
A erva e o pássaro, a pedra e o tronco, os ninhos e a hera,
A água e o réptil, a folha e o inseto, a flor e a fera,
- Tudo vozeia e estala em estos de pletora.

O amor apresta o gozo e o sacrifício na ara:
Guinchos, berros, zinir, silvar, ululos de ira,
Ruflos, chilros, frufrus, balidos de ternura...

Súbito, a excitação declina, a febre pára:
E misteriosamente, em gemido que expira,
Um surdo beijo morno alquebra a mata escura...


Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

FELICIDADE


 
A doce tarde morre. E tão mansa
Ela esmorece,
Tão lentamente no céu de prece,
Que assim parece, toda repouso,
Como um suspiro de extinto gozo
De uma profunda, longa esperança
Que, enfim cumprida, morre,descansa...
 
E enquanto a mansa tarde agoniza,
Por entre a névoa fria do mar
Toda a minhalma foge na brisa:
Tenho vontade de me matar!
 
Oh, ter vontade de se matar...
Bem sei é cousa que não se diz.
Que mais a vida me pode dar?
Sou tão feliz!
 
- Vem, noite mansa...
 
Manuel Bandeira
In O Ritmo Dissoluto

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

CEMITÉRIO NO CAMPO


 
Sobre cruzes tortas, colina de hera,
Sol ameno, aroma e zumbir de abelha.
 
Felizes vós, aqui acolhidos
Se ajustam ao coração da boa terra,
 
Felizes vós, filhos anônimos, retornados
Docilmente descansais no colo materno!
 
Mas, ouvi, do esvoaçar da abelha e do peito
Me canta a ânsia de viver e de ficar,
 
Desses profundos sonhos enraizados
De seres longamente apagados
 
Brota o impulso à luz,
Ruínas humanas, enterradas no escuro,
 
Se transformam, exigem  presença,
E a terra-mãe, como rainha
 
Nos impulsos do nascer se contorce.
Meigo ninho de paz na cova do fosso,
 
Não pesa mais que um sonho na noite.
Fumaça cinzenta é só o sonho da morte
Sob a qual o fogo da vida chameja.
 
Hermann Hesse
In Caminhada

domingo, 15 de setembro de 2013

CANTO DA MADRUGADA



Avancei pela noite. Abri os braços e recebi a aurora pequenina.
Chorava ainda. Suas lágrimas desceram sobre o meu rosto.
Veio um perfume forte de flores molhadas,
Renovaram-se as vozes dos galos pelas campinas úmidas.
Lenhadores dormem nos casebres frios.
Estão nascendo flores misteriosas
Estão crescendo grandes almas nas sombras da noite.
Porque há um canto que sai da noite e vem acordar a aurora adormecida!

Augusto Frederico Schmidt
In ‘Um Século de Poesia’

sábado, 14 de setembro de 2013

DESCRENÇA



Eu vi o céu abrir-se todo em luz,
surgir de cada noite uma alvorada
uma outra flor de cada flor tombada
e acreditei: fiz o sinal da cruz.

Ingenuamente acreditei... Supus
que eram minhas a noite, a madrugada,
que tudo era de todos e que nada
era só de um, como pregou Jesus.

Mas quando alegremente a minha mão
quis segurar o azeite, o mel, o pão,
a moeda mais ínfima de cobre,

alguém mais forte pôs-se à minha frente,
tapou-me o sol, passou indiferente,
e eu fiquei pobre, cada vez mais pobre.


Fernanda de castro
em Trinta e Nove Poesias – 1.941 –

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

OS PASSOS NA NOITE



Ouve, querida, na noite angustiada,
sem portas mas perfeita como um ovo,
como soa e ressoa a martelada
de cada passo do povo.

Ouve, na noite descarnada e enxuta,
o som que sobe, vertical e inteiro.
Ouve, querida, até às lágrimas, escuta
o oceano prisioneiro.

Noite implacável, arrepiada de vultos
como versos que mordem o papel
em que crianças, com gestos de adultos,
enchem de grãos de areia a nossa pele.

Noite aos quadrados, grades de gaiola,
cada quadrado fecha uma canção,
era aos quadrados no tempo da escola,
continua aos quadrados desde então.

Mas para lá dos barrancos, das ciladas,
para lá do engano e o desengano
cada pancada assobia madrugadas
cada pancada tem um som humano.

Compassados os passos, contra o vento,
escalam a noite descarnada e enxuta.
Viris, soam, ressoam no cimento,
ouve, querida, até ás lágrimas, escuta.

Sidónio Muralha
In ‘Os Olhos das Crianças’

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

ENTARDECER



Quando entardecemos
tudo é outono.
Nossos frutos deixam em nós seus danos.
As vozes se distanciam.
As datas sangram.
Os bailes dizem adeus.

Acumulamos, então, tantos silêncios
que todas as cousas vão perdendo a cor.
Mas o que não sangrou 
em nós 
no inaudível grito que nos prende, atroz,
não será saudade
se não foi amor.


Artur Eduardo Benevides
In: Elegia Setentã e Outros Poemas de Entardecer

PLASMA



Apanhei à profunda noite
uma mancheia de estrelas límpidas
e amassei-as com o barro humilde
ainda cheio de telúricas pulsações.
E assim criei o plasma novo
que meus dedos pediam
para a modelagem das minhas
formas inaugurais...

Tasso da Silveira 

CANÇÃO



O país que procuras
fica além da distância.

Talvez teu passo não o atinja
mesmo se caminhares
toda a tarde do mundo.

O país que procuras
é longe.
Existe à beira dos profundos mananciais
de genesíaco frescor.
Banha-se na clara névoa das origens,
na pura luz da infinita inocência.

Talvez teu passo não lhe atinja
a perdida fronteira,
mesmo se caminhares, caminhares
ininterruptamente
toda a noite da Vida...


Tasso da Silveira,
in Poemas de Antes

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A NOITE



A noite é essa escuridão tão envolvente
que parece um exercício de morte:
assim vai desaparecendo tudo,
assim desaparecemos dos outros
e de nós.

Apenas respiramos.
Podem cortar esse último fio
— e o tear que somos se imobiliza.

A noite esconde a terra, o céu a casa,
os vossos rostos.

Estou novamente dentro de uma entranha?
Humana? Cósmica? Em que entranha me aninho,
onde se enrola o novelo da minha memória,
em que cofre, na escuridão?

Nossas asas estão docemente fechadas
e nossos olhos moram no pensamento.

Cada um tem a sua noite.
Cada coisa.
E tudo está na sua noite,
enquanto é noite.

O dia é um bailarino com sinos e espelhos

Interrompemos a treva onde aprendíamos lembranças;
e somos de repente uns falsos acordados.

1960

Cecília Meireles.
In: ‘O Estudante Empírico’ 





















domingo, 8 de setembro de 2013

CANÇÃO



No fim de contas, um pássaro
cantando na noite densa
é coisa que a gente encontra
muitas vezes, mesmo longe
do vago mundo da lenda.

Alma é dor, mas também êxtase.
E quando menos se espera
da areia surge uma fonte,
nasce uma rosa da sombra,
canta um pássaro na treva.

A amada chegando tímida
é a rosa por que esperamos,
o amigo, uma fonte fresca,
e a lua no céu acesa
vale um pássaro cantando.

Solta um pássaro notívago
profunda e grave cantiga
no entanto pura e singela:
isto ocorre quando o Poeta
canta na noite da vida. 

Tasso da Silveira
In: Regresso à Origem







sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A NOITE E A CASA



A noite reúne a casa e o seu silêncio
Desde o alicerce desde o fundamento
Até à flor imóvel
Apenas se houve bater o relógio do tempo

A noite reúne a casa a seu destino

Nada agora se dispensa se divide
Tudo está como o cripreste atento

O vazio caminha em seus espaços vivos.


Sophia de Mello Breyner Andresen










quinta-feira, 5 de setembro de 2013

PROVIDÊNCIAS



Sempre quando chega
o escuro da noite 
o Universo providencia
o brilho das estrelas.


Warllem Silva 
In: Infinitude da Graça

''CONTEMPLAÇÃO''



Quando dos horizontes a cansada
contemplação aos poucos se dilui,
penso alcançar numa remota estrada
não o que sou e nem o que já fui,

mas a visão casta, incontaminada,
da paz que abriga, que as paredes rui
do desespero, e que, maravilhada,
a cada instante do silencio flui.

Não sei que céu além do céu me acena,
nem que colina além de outra colina...
Contemplo, apenas; da contemplação,

nasce a estranha emoção que me asserena:
pressentimento de uma luz divina
que não é nem do céu e nem do chão.


Alphonsus de Guimaraens Filho
In: 'Só a noite é que amanhece' 


quarta-feira, 4 de setembro de 2013

CREPÚSCULO



Toda existência, é ocasional regresso...
Ali, a sombra do homem é grave e austera,
recai a tarde em cisma, à noute o espera
sossega a ceifa célere dos músculos...

É efêmero o viver do caminheiro
falsa visão do sonho p´la atmosfera
na demência da enxada do coveiro
que enterra as ruínas, mais as primaveras!...

Vida e ânsia vibrando num só verso
no transporte da serra ao éter puro,
é contato genial com o Universo...

Bruxuleia a minguar em céu escuro,
porque não crê, ficando submerso...
entre o oceano e o Nirvana do futuro!...

Ernani Rosas

SONETO



Vai alta a lua lírica e silente,
Toda paisagem em sonho se embebeu!
Narra a si-mesmo o eco, vagamente...
Paira a auréola da luz dentre os céus...

Parece madrugada! Um galo canta...
Uivam de tédio os cães, não chega o dia!
[pois] se o Luar turvou minha alegria...
E a noite toda de uma mágoa santa!

Outono! Vão-se as horas... E lacrimosa
É tão triste a vereda e a própria casa...
Traz saudades da vida religiosa!

Cada vez mais o luar neva e cintila...
Seixos em pranto à flux o areal abrasa,
E a água por ser ceguinha erra e vacila...


Ernani Rosas

PENUMBRA DO LUAR



Noite de lua e nevoeiro, argente
Difunde-se o luar pela folhagem...
Com a mesma languidez vaga e dormente
Da chuva, quando cai sobre a ramagem...

Como a música ao longe e som dolente
Recorda todo esse abandono... E a aragem
Que passa, agita o olor suave e florente
Vindo das messes, da vernal paisagem...

E o luar cresce através de ermo arvoredo,
Noite chuvosa e triste a Lua ateia...
Fluida névoa de luz... Sonho... Segredo...

Ao ressurgir das coisas na saudade
Que o silêncio evocou... E à luz ondeia
Erra na morta e fria claridade...


Ernani Rosas

AO POENTE



Gosto de ver na síncope do dia
A mistura de tintas do poente,
O sangue vivo, violento e quente
Do sol, n'uma medonha hemorragia.

A claridade extingue-se na enchente
Da noite, de uma atroz melancolia,
Mas, na curva rosada inda sorria
A luz do fim da tarde no ocidente.

Pirilampos azuis, misteriosos
Saem das moitas frescas, perfumadas,
Como os astros por Céus silenciosos...

E, por entre o salgueiro de uma cova,
Surgia além, das fúnebres moradas,
A cimitarra de uma lua nova.

Ernani Rosas

terça-feira, 3 de setembro de 2013

COMO NA NOITE



Como na noite a vila dorme santamente
e não há carruagem, nem armazém, nem gente,

Caminha o homem na noite com a cabeça ao vento,
o corpo agilizado de carne e sentimento,

se imagina suspenso das estrelas.Pensa
que se este céu noturno fosse uma taça imensa

e sua alma como um fruto se espremesse sobre ela
e o sumo de sua alma lavasse assim as estrelas,

a alegria do céu seria a sua alegria
e perdido entre os astros seu cantar ficaria,

e igual às águas de um repuxo imaginário
seu sangue dessedentaria os jardins lunários.

O homem que caminha grita incessantemente.
O homem que caminha deve ser um demente.

Sonâmbulo ou bêbado, deixá-lo que caminhe
tropeçando nas pedras, pisando nos hortos.

Esquecerá do céu ao cruzar uma rua
e ficará cravado como árvore no solo.

Mariposa sem asas, clavicórdio sem notas,
o espírito curvado como uma corda rota

e ouvindo nas estrelas a voz que o não nomeia,
o homem que caminha soluçará na sombra.


Pablo Neruda


SE CADA DIA CAI


 

Se cada dia cai, 
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.


Pablo Neruda 
(Últimos Poemas)







"

O CREPÚSCULO É ESTE SOSSEGO...




O crepúsculo é este sossego do céu
com suas nuvens paralelas
e uma última cor penetrando nas árvores
até os pássaros.

É esta curva dos pombos, rente aos telhados,
este cantar de galos e rolas, muito longe;
e, mais longe, o abrolhar de estrelas brancas,
ainda sem luz.

Mas não era só isto, o crepúsculo:
faltam os teus dois braços numa janela, sobre flores,
e em tuas mãos o teu rosto,
aprendendo com as nuvens a sorte das transformações.

Faltam teus olhos com ilhas, mares, viagens, povos,
tua boca, onde a passagem da vida 
tinha deixado uma doçura triste,
que dispensava palavras.

Ah, falta o silêncio que estava entre nós,
e olhava a tarde, também.
Nele vivia o teu amor por mim,
obrigatório e secreto.
Igual à face da Natureza:
evidente, e sem definição.

Tudo em ti era uma ausência que se demorava:
uma despedida pronta a cumprir-se.

Sentindo-o, cobria minhas lágrimas com um riso doido.
Agora, tenho medo que não visses
o que havia por detrás dele.

Aqui está meu rosto verdadeiro,
defronte do crepúsculo que não alcançaste
Abre o túmulo, e olha-me:
dize-me qual de nós morreu mais. 



Cecilia Meireles
In: Elegia

domingo, 1 de setembro de 2013

SINAL NO CÉU



É um tom de laranja
sobre os montes
um pensamento inarticulado
de que a Virgem
pôs o mundo no colo
e passeia com ele nos rosais.

Adélia Prado
In Oráculo de Maio





VIÉS



Ó lua, fragmento de terra na diáspora,
desejável deserto, lua seca.
Nunca me confessei às coisas,
tão melhor do que elas me julgavam.
Hoje, por preposto de Deus escolho-te,
clarão indireto, luz que não cintila.
Quero misericórdia e 
por nenhum romantismo sou movida.

 Adélia Prado


MULHER AO CAIR DA TARDE



Ó Deus,
não me castigue se falo
minha vida foi tão bonita!
Somos humanos,
nossos verbos têm tempos,
não são como o Vosso,
eterno.

Adélia Prado
In Oráculo de Maio