sexta-feira, 26 de setembro de 2014

RUMO



Rasga o pano da noite um grito agudo.
É o apelo de alguém.
Mas um aceno amargo não é tudo,
De mais a mais na bruma de onde vem.

Pode ser consciente, ou ser de quem
Sabe de gritos o que sabe um mudo.
Pode ser justo, e pode ser também
Vestido de injustiças de veludo.

Por isso, ninguém corre àquela voz.
A sua imprecisão passa veloz
Pelo caminho vago da ilusão.

Fogo que queima é fogo que se exprime.
O sentido do sangue é que redime
A angústia pendular do coração.


Miguel Torga 
in ‘Libertação’

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