quarta-feira, 31 de outubro de 2012
FRAGMENTO LITERÁRIO
“...
Deitei-me na cama de novo enquanto os cavalos
dos poemas antigos traziam o Sol em atropelada
brilhante. Vi-os fortes e louros irromper pelo
céu onde tinha morrido de morte linda a aurora.
Abençoado seja o Sol.
Abençoado seja o dia.
Abençoado seja o descanso.
Abençoados sejam os pássaros diurnos e noturnos.
Abençoadas sejam as criaturas de todo o mundo.
Abençoado o fogo; a terra; o ar; a água.
Abençoada seja a aurora.
Que me perdoa de meus pecados.
...”
Paulo Mendes Campos,
em “O amor acaba – Crônicas Líricas e Existenciais” –
terça-feira, 30 de outubro de 2012
NA ILHA POR VEZES HABITADA
Na
ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
José Saramago
In ‘Provavelmente Alegria’
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
TARDE TRISTE
É
o Outono doente que começa.
Cada
folha parece que tem pressa
De morrer.
Madura e fatigada, a natureza,
Roída por não sei que súbita incerteza,
Até nos frutos quer apodrecer.
E há um desalento igual dentro de mim.
Uma renúncia assim
Calada e conformada.
Perdi o gosto verde de cantar,
A emoção vem à tona e degenera,
Infecunda, a negar
As muitas flores que dei na Primavera.
Miguel Torga,
Diário XIV,
De morrer.
Madura e fatigada, a natureza,
Roída por não sei que súbita incerteza,
Até nos frutos quer apodrecer.
E há um desalento igual dentro de mim.
Uma renúncia assim
Calada e conformada.
Perdi o gosto verde de cantar,
A emoção vem à tona e degenera,
Infecunda, a negar
As muitas flores que dei na Primavera.
Miguel Torga,
Diário XIV,
sábado, 27 de outubro de 2012
COM LENTO AMOR
Com lento amor olhava os dispersos
Tons da tarde. A ela comprazia
Perder-se na complexa melodia
Ou na curiosa vida dos versos.
Não o rubro elemental mas os cinzentos
Fiaram seu destino delicado,
Feito a discriminar e exercitado
Na vacilação e nos matizes.
Sem se atrever a andar neste perplexo
Labirinto, olhava lá de fora
As formas, o tumulto e a carreira,
Como aquela outra dama do espelho.
Deuses que habitam para lá do rogo
Abandonaram-na a esse tigre, o Fogo.
Jorge Luis Borges
Tons da tarde. A ela comprazia
Perder-se na complexa melodia
Ou na curiosa vida dos versos.
Não o rubro elemental mas os cinzentos
Fiaram seu destino delicado,
Feito a discriminar e exercitado
Na vacilação e nos matizes.
Sem se atrever a andar neste perplexo
Labirinto, olhava lá de fora
As formas, o tumulto e a carreira,
Como aquela outra dama do espelho.
Deuses que habitam para lá do rogo
Abandonaram-na a esse tigre, o Fogo.
Jorge Luis Borges
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
ENTARDECERES
A
clara profusão de um poente
enalteceu a rua,
a rua aberta como um vasto sonho
para qualquer acaso.
O límpido arvoredo
perde o último pássaro, o ouro último.
A mão andrajosa de um mendigo
agrava a tristeza dessa tarde.
O silêncio que mora nos espelhos
forçou seu cárcere.
A escuridão é o sangue
das coisas feridas.
No ocaso incerto
a tarde mutilada
foi umas pobres cores.
Jorge Luis Borges
in: Primeira Poesia
enalteceu a rua,
a rua aberta como um vasto sonho
para qualquer acaso.
O límpido arvoredo
perde o último pássaro, o ouro último.
A mão andrajosa de um mendigo
agrava a tristeza dessa tarde.
O silêncio que mora nos espelhos
forçou seu cárcere.
A escuridão é o sangue
das coisas feridas.
No ocaso incerto
a tarde mutilada
foi umas pobres cores.
Jorge Luis Borges
in: Primeira Poesia
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
BERNARDO SOARES
"Os sentimentos que mais doem,
as emoções que mais pungem,
são os que são absurdos -
a ânsia de coisas impossíveis,
precisamente porque são impossíveis,
a saudade do que nunca houve,
o desejo do que poderia ter sido,
a mágoa de não ser outro,
a insatisfação da existência do mundo.
Todos estes meios tons da inconsciência da alma
criam em nós uma paisagem dolorida,
um eterno sol-pôr do que somos...
O sentirmo-nos é então um campo deserto a escurecer,
triste de juncos ao pé de um rio sem barcos,
negrejando claramente entre margens afastadas."
Bernardo Soares
in "Livro do Desassossego"
NO TEU ROSTO
No
teu rosto começa a madrugada.
Luz abrindo,
de rosa em rosa,
transparente e molhada.
Melodia
distante mas segura;
irrompendo da terra,
quente, redonda, madura.
Mar imenso,
praia deserta, horizontal e calma.
Sabor agreste.
Rosto da minha alma.
Eugénio de Andrade
Luz abrindo,
de rosa em rosa,
transparente e molhada.
Melodia
distante mas segura;
irrompendo da terra,
quente, redonda, madura.
Mar imenso,
praia deserta, horizontal e calma.
Sabor agreste.
Rosto da minha alma.
Eugénio de Andrade
terça-feira, 23 de outubro de 2012
FERNANDO PESSOA
"Para quê olhar para os crepúsculos se tenho em mim
milhares de crepúsculos diversos - alguns dos quais
que o não são -e se, além de os olhar dentro de mim,
eu próprio os sou, por dentro? "
milhares de crepúsculos diversos - alguns dos quais
que o não são -e se, além de os olhar dentro de mim,
eu próprio os sou, por dentro? "
Bernardo Soares,
Livro do Desassossego
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
O ESPÍRITO DO OUTONO
Será
a embriaguez? O vento matinal
arrastando folhas
raparigas canções?
O sopro frio das estrelas?
Será a beleza,
o espírito do outono? Há um limite
para o homem, um limite
para suportar o peso do mundo.
Da beleza, da bárbara
orgulhosa beleza, quem sabe defender-se
sem medo do coração lhe rebentar?
Eugénio de Andrade,
In ‘O sal da língua
a embriaguez? O vento matinal
arrastando folhas
raparigas canções?
O sopro frio das estrelas?
Será a beleza,
o espírito do outono? Há um limite
para o homem, um limite
para suportar o peso do mundo.
Da beleza, da bárbara
orgulhosa beleza, quem sabe defender-se
sem medo do coração lhe rebentar?
Eugénio de Andrade,
In ‘O sal da língua
MADRUGADA EM MEU JARDIM
Um divino clarão vem do nascente
E sobre o meu jardim calmo resvala!
Na graça deste quadro reluzente,
A aragem fria os meus rosais embala!
Tudo desperta misteriosamente!
E a luz cresce e se expande em doce escala,
Avivando o Iençol resplandescente
Da brancura dos lírios cor de opala!
E o sol, doirando as franjas do horizonte,
Celebra a missa do romper da aurora
Na doce Eucaristia do levante!
Da passarada escuta-se o clarim !
E a madrugada estende-se sonora,
Na aleluia de luz do meu jardim !
Jansen Filho
HÁ UM SUAVE SOM DE BORBOLETAS...
Há um suave som de borboletas
no pálido crepúsculo
há cores impensáveis se movendo
no horizonte
calam-se os passarinhos
e a quietude apressa a noite
que desce devagarinho
Mariza Alencastro
domingo, 21 de outubro de 2012
AMANHECER
Floresce, na orilha da campina,
esguio ipê
de copa metálica e esterlina.
Das mil corolas,
saem vespas, abelhas e besouros,
polvilhados de ouro,
a enxamear no leste, onde vão pousando
nas piritas que piscam nas ladeiras,
e no riso das acácias amarelas.
Dos charcos frios
sobem a caçá-los redes longas,
lentas e rasgadas de neblina.
Nuvem deslizam, despetaladas,
e altas, altas,
garças brancas planam.
Dançam fadas alvas,
cantam almas aladas,
na taça ampla,
na prata lavada,
na jarra clara da manhã...
João Guimarães Rosa
In Magma
A MONTANHA
Calma, entre os ventos, em lufadas cheias
De um vago sussurrar de ladainha,
Sacerdotisa em prece, o vulto alteias
Do vale, quando a noite se avizinha:
Rezas sobre os desertos e as areias,
Sobre as florestas e a amplidão marinha;
E, ajoelhadas, rodeiam-te as aldeias,
Mudas servas aos pés de uma rainha.
Ardes, num holocausto de ternura...
E abres, piedosa, a solidão bravia
Para as águias e as nuvens, a acolhê-las;
E invades, como um sonho, a imensa altura,
- Última a receber o adeus do dia,
Primeira a ter a bênção das estrelas!
Olavo Bilac
In ‘Tarde’
VIMOS A LUA
Vimos a LUA nascer, na tarde clara.
Orvalhavam diamantes, as tranças aéreas das ondas
e as janelas abriam-se para florestas cheias de cigarras.
Vimos também a nuvem nascer no fim do oeste.
Ninguém lhe dava importância.
Parece uma pessoa solta - diziam.
Uma flor desfolhada.
Vimos a lua nascer, na tarde clara.
Subia com seu diadema transparente,
vagarosa, suportando tanta glória.
Mas a nuvem pequena corria veloz pelo céu.
Reuniu exércitos de lã parda,
levantou por todos os lados o alvoroto da sombra.
Quando quisemos outra vez luar,
ouvimos a chuva precipitar-se nas vidraças,
e a floresta debater-se com o vento.
Por detrás das nuvens, porém,
sabíamos que durava, gloriosa e intacta, a Lua.
VIMOS A LUA
RUMOR
Acorda-me
um rumor de ave.
Talvez seja a tarde
a querer voar.
A levantar do chão
qualquer coisa que vive,
e é como um perdão
que não tive.
Talvez nada.
Ou só um olhar
que na tarde fechada
é ave.
Mas não pode voar.
Eugênio de Andrade
TARDE
A
febre da tarde
Se chama tarde,
Velho sono arrancado,
Cedo demais para ser noite,
Sem outro nome, pois não há nome
De tarde além da tarde.
o amor tenta falar mas soa
Tão perto em seu próprio ouvido.
Os tic-tacs escutam
O que os tic-tacs retrucam.
A febre preenche onde gargantas se mostram,
Mas nesses horrores nada tenta engolir
Enquanto a sede persegue a tarde
Até o rouco pôr-do-sol.
O entardecer surge com bocas
Quando a tarde pode falar.
A ceia e a cama começam e terminam
E o amor obscurece o pensar.
Mais tardes dividem a noite,
Novo sono arrancado,
Suspensão desperta entre sonho e sonho
Nunca soubemos quanto.
O sol se atrasa por horas de logo e logo
Então chega a febre veloz chamada dia.
Mas a febre lenta se chama tarde.
Laura Riding
tradução: Rodrigo Garcia Lopes
Se chama tarde,
Velho sono arrancado,
Cedo demais para ser noite,
Sem outro nome, pois não há nome
De tarde além da tarde.
o amor tenta falar mas soa
Tão perto em seu próprio ouvido.
Os tic-tacs escutam
O que os tic-tacs retrucam.
A febre preenche onde gargantas se mostram,
Mas nesses horrores nada tenta engolir
Enquanto a sede persegue a tarde
Até o rouco pôr-do-sol.
O entardecer surge com bocas
Quando a tarde pode falar.
A ceia e a cama começam e terminam
E o amor obscurece o pensar.
Mais tardes dividem a noite,
Novo sono arrancado,
Suspensão desperta entre sonho e sonho
Nunca soubemos quanto.
O sol se atrasa por horas de logo e logo
Então chega a febre veloz chamada dia.
Mas a febre lenta se chama tarde.
Laura Riding
tradução: Rodrigo Garcia Lopes
sábado, 20 de outubro de 2012
AZUL-TARDE
Ó
pura, maravilhosa visão
-
quando entre púrpura e ouro,
grave e propício, vais baixando em paz,
resplandecente azul do céu da tarde!
Lembras um mar azul onde a fortuna
com a âncora se encerra
num bendito repouso.Cai do remo
a última gota de mágoa da terra.
Hermann Hesse
In Andares
grave e propício, vais baixando em paz,
resplandecente azul do céu da tarde!
Lembras um mar azul onde a fortuna
com a âncora se encerra
num bendito repouso.Cai do remo
a última gota de mágoa da terra.
Hermann Hesse
In Andares
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
O SOL DE NOSSAS VIDAS
Cada minuto é apenas um momento musical,
sem memória.. E a saudade não vem de
longe, é como uma cor outonal na paisagem
e muda como um poente...Não há futuro.
Tudo é paisagem para os nossos olhos
calmos e líricos.
Sentimos a intimidade das coisas
impossíveis.
Cristovam Pavia
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
FIM DE JORNADA
Caminhar ao encontro da noite.
Como o camponês regressa ao lar.
Após um longo dia de verão.
Sem pressa ou cuidado.
Na tarde ouro e cinza.
Sozinho entre os campos lavrados.
E as colinas distantes.
Caminhar, ao encontro da noite.
Sem pressa ou cuidado.
A noite é somente uma pausa de sombra.
Entre um dia e outro dia.
Helena Kolody,
in Vida Breve
terça-feira, 16 de outubro de 2012
ROSA BRANCA AO CREPÚSCULO
Inclinas triste o rosto
nas folhas, para a morte,
respiras luz fantástica
e emites sonhos pálidos.
Íntima como um canto,
à última luz flutua
no quarto, a tarde toda,
a doce fragrância tua.
No inefável se engaja
tua alma temerosa,
e vai rindo e morrendo
em meu peito, irmã rosa.
Hermann Hesse
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
EM LOUVOR AO FOGO
Um dia chega
de uma extrema doçura:
tudo arde.
Arde a luz
nos vidros da ternura.
As aves,
no branco
labirinto da cal.
As palavras ardem
e a púrpura das naves.
O vento,
onde tenho casa
à beira do outono.
O limoeiro, as colinas.
Tudo arde
Na extrema e lenta
doçura da tarde.
Eugénio de Andrade
in Obscuro Domínio
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
AMANHECER
Amanhecer: o mais antigo
sinal de vida sobre a Terra.
Amanhecer: ainda o mais novo
sinal de vida sobre a Terra.
Amanhecer e vida humana
se entrelaçam na mesma luz.
Carlos Drummond de Andrade
In Poesia Errante
MANHÃ
Altos os troncos, e no alto os cantos:
A hora da manhã, a nós nascida,
Cobre de verde e azul o gesto simples
Com que me dás, serena, a tua vida.
Confiança das mãos, dos olhos calmos,
Donde a sombra das mágoas e dos prantos
Como a noite do bosque se retira:
Altos os troncos, e no alto os cantos.
José Saramago
In Provavelmente Alegria
terça-feira, 9 de outubro de 2012
OS AMIGOS, AO ENTARDECER...
O
tempo é breve e as afeições são poucas.
Os
cabelos já tomam a cor das despedidas.
Tantas, as viagens! Quantas, as partidas
para as paixões, as festas e navegações?
Fraternas mãos vieram e me cobriram
com cálidos lençóis.
E preparei anzóis
para pescar os salmões do amanhecer.
Um dia, com os amigos, acendi fogueiras.
Deitamo-nos na relva, de alma ainda inteira.
Ou fomos olhar os trens
que vinham dos verões.
Vezes houve em que rimos, quase alucinados.
Nem vimos os exílios, demorados.
E estivemos unidos em nossos corações.
Artur Eduardo Benevides
In: Elegia Setenta e Outros Poemas
Tantas, as viagens! Quantas, as partidas
para as paixões, as festas e navegações?
Fraternas mãos vieram e me cobriram
com cálidos lençóis.
E preparei anzóis
para pescar os salmões do amanhecer.
Um dia, com os amigos, acendi fogueiras.
Deitamo-nos na relva, de alma ainda inteira.
Ou fomos olhar os trens
que vinham dos verões.
Vezes houve em que rimos, quase alucinados.
Nem vimos os exílios, demorados.
E estivemos unidos em nossos corações.
Artur Eduardo Benevides
In: Elegia Setenta e Outros Poemas
DESTINO
Ai!
Ser como as densas florestas escuras
Que tecem filigranas vegetais
E em segredo se adornam para a festa da luz.
Ser como as densas florestas sombrias,
Que um raio de sol jamais penetrou.
Helena Kolody
In Luz Infinita
Ser como as densas florestas escuras
Que tecem filigranas vegetais
E em segredo se adornam para a festa da luz.
Ser como as densas florestas sombrias,
Que um raio de sol jamais penetrou.
Helena Kolody
In Luz Infinita
domingo, 7 de outubro de 2012
SEM RETORNO
Nada se repete na travessia.
Longa despedida sem retorno.
Marcos de nunca mais
balizam o contínuo transformar-se.
Vivos desenhos de sombra
sublinham o passante
e se desvanecem
ao anoitecer.
Helena Kolody
in ‘Viagem no Espelho’
Longa despedida sem retorno.
Marcos de nunca mais
balizam o contínuo transformar-se.
Vivos desenhos de sombra
sublinham o passante
e se desvanecem
ao anoitecer.
Helena Kolody
in ‘Viagem no Espelho’
sábado, 6 de outubro de 2012
SONETO
Desponta
a estrela d’alva, a noite morre.
Pulam
no mato alígeros cantores,E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando corre.
Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.
Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias da aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!
Porém minh’alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
- Oh! mundo encantador, tu és medonho!
Fagundes Varela
In ‘Vozes da América
À HORA CINZENTA
Desce
um longo poente de elegia
Sobre as mansas paisagens resignadas;
Uma humaníssima melancolia
Embalsama as distancias desoladas. . .
Longe, num sino antigo, a Ave-Maria
Abençoa a alma ingênua das estradas;
Andam surdinas de anjos e de fadas,
Na penumbra nostálgica, macia. . .
Espiritualidades comoventes
Sobem da terra triste, em reticência
Pela tarde sonâmbula, imprecisa. . .
Os sentidos se esfumam, a alma é essência
E entre fugas de sombras transcendentes,
O Pensamento se volatiliza. . .
Raul de Leoni
In: Luz Mediterrânea
Sobre as mansas paisagens resignadas;
Uma humaníssima melancolia
Embalsama as distancias desoladas. . .
Longe, num sino antigo, a Ave-Maria
Abençoa a alma ingênua das estradas;
Andam surdinas de anjos e de fadas,
Na penumbra nostálgica, macia. . .
Espiritualidades comoventes
Sobem da terra triste, em reticência
Pela tarde sonâmbula, imprecisa. . .
Os sentidos se esfumam, a alma é essência
E entre fugas de sombras transcendentes,
O Pensamento se volatiliza. . .
Raul de Leoni
In: Luz Mediterrânea
PARA MIM MESMA
Para
os meus olhos, quando chorarem,
Terem belezas mansas de brumas,
Que na penumbra se evaporarem...
Para os meus olhos, quando chorarem,
Terem doçuras de auras e plumas...
E as noites mudas de desencanto
Se constelarem, se iluminarem
Com os astros mortos que vêm no pranto...
As noites mudas de desencanto...
Para os meus olhos, quando chorarem...
Para os meus olhos, quando chorarem,
Terem divinas solicitudes
Pelos que mais os sacrificarem...
Para os meus olhos, quando chorarem,
Verterem flores sobre os paludes...
Para que os olhos dos pecadores
Que os humilharem, que os maltratarem,
Tenham carinhos consoladores.
Se, em qualquer noite de ânsias e dores,
Os olhos tristes dos pecadores
Para os meus olhos se levantarem...
Cecília Meireles
In: Baladas para El-Rei
Terem belezas mansas de brumas,
Que na penumbra se evaporarem...
Para os meus olhos, quando chorarem,
Terem doçuras de auras e plumas...
E as noites mudas de desencanto
Se constelarem, se iluminarem
Com os astros mortos que vêm no pranto...
As noites mudas de desencanto...
Para os meus olhos, quando chorarem...
Para os meus olhos, quando chorarem,
Terem divinas solicitudes
Pelos que mais os sacrificarem...
Para os meus olhos, quando chorarem,
Verterem flores sobre os paludes...
Para que os olhos dos pecadores
Que os humilharem, que os maltratarem,
Tenham carinhos consoladores.
Se, em qualquer noite de ânsias e dores,
Os olhos tristes dos pecadores
Para os meus olhos se levantarem...
Cecília Meireles
In: Baladas para El-Rei
HÁ UM INSTANTE...
Há
um instante em que a memória é estreita
para conter o mar, o sal, os navios,
a penumbra branca das gaivotas.
Um instante de nudez perfeita.
Albano Martins
in 'Em tempo e memória'
para conter o mar, o sal, os navios,
a penumbra branca das gaivotas.
Um instante de nudez perfeita.
Albano Martins
in 'Em tempo e memória'
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
DESPEDIDAS
Começo
a olhar as coisas
como quem, se despedindo, se surpreende
com a singularidade
que cada coisa tem
de ser e estar.
Um beija-flor no entardecer desta montanha
a meio metro de mim, tão íntimo,
essas flores às quatro horas da tarde, tão cúmplices,
a umidade da grama na sola dos pés, as estrelas
Nada mais é gratuito, tudo é ritual.
Começo a amar as coisas
com o desprendimento que só têm
os que amando tudo o que perderam
já
não mentem.
A.Romano de Sant'Anna
In Epitáfio para o Séc.XX
como quem, se despedindo, se surpreende
com a singularidade
que cada coisa tem
de ser e estar.
Um beija-flor no entardecer desta montanha
a meio metro de mim, tão íntimo,
essas flores às quatro horas da tarde, tão cúmplices,
a umidade da grama na sola dos pés, as estrelas
Nada mais é gratuito, tudo é ritual.
Começo a amar as coisas
com o desprendimento que só têm
os que amando tudo o que perderam
A.Romano de Sant'Anna
In Epitáfio para o Séc.XX
ENTARDECER NA PRAIA DA LUZ
Espreguiçados, os ramos
das palmeiras filtram
a luz que sobra
do dia. É já noite
nas folhas. O branco
das paredes recolhe
o sangue e o vinho
das buganvílias
e hibiscos. Bebe-os
de um trago: saberás
que, mais do que cegueira, a noite
é uma embriaguez perfeita.
ALBANO MARTINS,
in
"Castália e Outros Poemas
AGORA...
Agora é a linha do horizonte
que me chama. Árvores quase, invisíveis
no verde azulado.
Segue o passo
vozes vagas da distância,
nada o detém. É a hora de dar-se calma
e sem perguntas à enigmática vida.
Minha ou de quem?
Outra voz indaga
e nada lhe responde.
Ressoa o passo
acolhe-o a senda desatenta
que não sei, jamais saberei
Dora Ferreira da Silva,
in Cartografia do Imaginário (poemas)
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
SILÊNCIOS
Pelo pranto das auroras ,
pelo sangue das amoras;
pelos trevos dos caminhos,
pela ponta dos espinhos;
pelo leite das figueiras,
pelo limo das pedreiras;
pelo remanso do rio,
pela luz do sol do estio;
por tudo quanto é alegria,
tudo o que é melancolia;
pelo encanto do meu verso,
pelas glórias do Universo,
não quebres minha tristeza,
não quebre os silêncios meus,
que os silêncios têm beleza
e têm a graça de Deus.
Antonieta Borges Alves
In Lírios de Pedra
terça-feira, 2 de outubro de 2012
AO SOL
Naufragas na noite
em pompas de luz e imensidade
todo germe palpita na semente
e da nova manhã ressurges
clara divindade
nua a carnação sob o manto escarlate.
Dora Ferreira da Silva,
in Poesia
Reunida
MANHÃ I
Esqueço os hieróglifos da alma
há campânulas azuis, ânforas, pássaros
há campos a percorrer.
Esqueço a noite, o sarcófago
beijo os flancos do sol
as colinas, o rio.
Venho de nossos, a de perfil marítimo
e enlaço-te na Etrúria
nu e solar
em teu cavalo alado.
Dora Ferreira da Silva
Poesia Reunida
há campânulas azuis, ânforas, pássaros
há campos a percorrer.
Esqueço a noite, o sarcófago
beijo os flancos do sol
as colinas, o rio.
Venho de nossos, a de perfil marítimo
e enlaço-te na Etrúria
nu e solar
em teu cavalo alado.
Dora Ferreira da Silva
Poesia Reunida
MANHÃ II
No engaste vegetal
pálida ametista.
Tombam do sol pétalas de sombra
setas de luz arisca.
Sob o céu de puras águas
unem-se as bocas na polpa do mesmo fruto.
Terra nos braços, no sangue fascinado,
terra nos ossos claros.
Nós: filhos do vento, coroados de ervas rudes,
ânforas, lutróforas dos que morreram puros.
No espelho do lago semeado de folhas
ondulam os corpos entre hastes de trigo.
Dora Ferreira da Silva,
pálida ametista.
Tombam do sol pétalas de sombra
setas de luz arisca.
Sob o céu de puras águas
unem-se as bocas na polpa do mesmo fruto.
Terra nos braços, no sangue fascinado,
terra nos ossos claros.
Nós: filhos do vento, coroados de ervas rudes,
ânforas, lutróforas dos que morreram puros.
No espelho do lago semeado de folhas
ondulam os corpos entre hastes de trigo.
Dora Ferreira da Silva,
in Poesia Reunida
VESPERAL
E que, no entanto, é das que mais afligem...
Entardecer... O azul empalidece
como um rosto na agônica vertigem ...
Em breve a noite vai colher a messe
das estrelas ... E da cerúlea origem
a alma do vago sobre as almas desce
e as saudades para elas se dirigem ...
Morreu da luz o fulgurante império ...
O poente, como as ilusões perdidas,
os nossos sonhos vãos, se fez cinéreo ...
E sobre tantas ruínas, quando enoite,
virão chorar, nas horas esquecidas,
as cristalinas lágrimas da noite ...
José Lannes
in Candeia
CANTO DA MADRUGADA
Avancei pela noite.
Abri os braços e recebi a aurora pequenina.
Chorava ainda. Suas lágrimas desceram sobre meu rosto.
Veio um perfume forte de flores molhadas,
Renovaram-se as vozes dos galos pelas campinas úmidas.
Lenhadores dormem nos casebres frios.
Estão nascendo flores misteriosas
Estão crescendo grandes almas nas sombras da noite.
Porque há um canto que sai da noite
e vem acordar a aurora adormecida!
Augusto Frederico Schmidt
In Um século de poesia
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
MATINAL
Na
bruma do cenário matutino,
O coração virente da floresta
Lembra um antigo templo bizantino,
Uma sonora catedral em festa
Agora, o bando de sabiás se apresta
Para cantar, solenemente, um hino.
E, do turíbulo das flores, lesta,
A brisa faz subir o incenso fino.
A cerimônia excelsa tem início.
Reconcentrada em prece emocionante,
A mata imensa fica silenciosa.
O próprio Deus celebra o sacrifício
E ergue no céu, num símbolo brilhante,
A hóstia do sol, serena e esplendorosa.
Helena Kolody ,
O coração virente da floresta
Lembra um antigo templo bizantino,
Uma sonora catedral em festa
Agora, o bando de sabiás se apresta
Para cantar, solenemente, um hino.
E, do turíbulo das flores, lesta,
A brisa faz subir o incenso fino.
A cerimônia excelsa tem início.
Reconcentrada em prece emocionante,
A mata imensa fica silenciosa.
O próprio Deus celebra o sacrifício
E ergue no céu, num símbolo brilhante,
A hóstia do sol, serena e esplendorosa.
Helena Kolody ,
in Viagem no Espelho
LUZ E SOMBRA
Luz
e sombra
lutam n'alma.
Só depois do sol ausente,
impera a noite.
Derrotadas
terra e treva,
reina a luz eternamente.
Helena Kolody
lutam n'alma.
Só depois do sol ausente,
impera a noite.
Derrotadas
terra e treva,
reina a luz eternamente.
Helena Kolody
ENTARDECER
Um
marco de melancolia
na aridez das escarpas,
debruçadas no ocidente
e um marulhar de lembranças
nos grotões da saudade.
Helena Kolody
na aridez das escarpas,
debruçadas no ocidente
e um marulhar de lembranças
nos grotões da saudade.
Helena Kolody
in Viagem no
ESpelho
PENUMBRA
Já
se aprofundam as raízes
no repouso do silêncio.
Cresce o musgo nas fundas cicatrizes.
Levita a fronde.
Na penumbra dos ramos,
tímido pássaro
inicia um canto de eternidade.
Helena Kolody ,
no repouso do silêncio.
Cresce o musgo nas fundas cicatrizes.
Levita a fronde.
Na penumbra dos ramos,
tímido pássaro
inicia um canto de eternidade.
Helena Kolody ,
in Viagem no Espelho
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