Era, na noite nua,
Só, sobre a torre, ali,
A lua,
Um ponto sobre um i.
Lua, que alma sutil
Tem à ponta de um fio,
Vazio,
Teu rosto e teu perfil?
Olho do céu caolho?
Que anjo mau nos devassa
Do olho
De tua máscara baça?
Ou serás uma bola,
Aranha dos espaços
Que rola
Sem patas e sem braços?
És, já divago à-toa,
Velho relógio eterno
Que soa
Aos que vão para o inferno?
Na face em que os espias
Contam eles a idade
Dos dias
Da sua eternidade?
É um verme que te come
Quando teu disco enorme
Já some
Em crescente disforme?
Quem te vazou o olho
Outra noite? Bateste
No escolho
De um agudo cipreste?
Por que, pálida, foi-se
Postar em minha tela
Tua foice
Através da janela?
Vai, lua morredoura,
Febe, de torso pulcro,
A loura,
No mar já tem sepulcro.
Dela és somente a face
Onde, em rugas, e presto
Esvai-se
Teu rosto sem o resto.
Que a caçadora venha,
Alvura virginal,
E tenha
Seu cervo matinal.
Sob a aura que irmana
Plátanos e pinheiros,
Diana
E seus galgos ligeiros.
O cervo em sua gruta,
À beira do rochedo,
A escuta
De longe, meio a medo.
Seguindo a sua caça
Por vales e vergéis
Já passa
O bando de lebréis.
À tarde, em meio à brisa,
Diana à sua presa
Divisa,
Um pé na água, surpresa.
Febe, que, noite afora,
Nos lábios de um pastor
Demora
Qual beija-flor na flor.
Lua, em nossa memória,
Do teu amor demente
A história
Te louva eternamente.
Sempre jovem e linda,
Serás a toda a gente
Benvinda,
Lua cheia ou crescente.
Te amará o navegante
No convés do navio
Ondeante
Sob o céu claro e frio.
E te amará o pastor
Enquanto ao teu tesouro
Sem cor
Seus cães latem em coro.
E a menina veloz que
Caminha, pé no chão,
No bosque,
Cantando uma canção.
Como um urso algemado,
Sob os teus olhos geme,
Domado,
O Oceano sem leme.
E, faça chuva ou vento,
Eu mesmo, noite alta,
Me sento
Sem saber o que falta,
Vendo, na noite nua,
Só, sobre a torre, ali,
A lua,
Um ponto sobre um i.
Alfred Musset
Tradução de Augusto de Campos.
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