terça-feira, 8 de janeiro de 2013

MEDITAÇÃO



Às vezes, quando a noite vem caindo, 
Tranquilamente, sossegadamente, 
Encosto-me à janela e vou seguindo 
A curva melancólica do Poente. 

Não quero a luz acesa. Na penumbra, 
Pensa-se mais e pensa-se melhor. 
A luz magoa os olhos e deslumbra, 
E eu quero ver em mim, ó meu amor! 

Para fazer exame de consciência 
Quero silêncio, paz, recolhimento 
Pois só assim, durante a tua ausência, 
Consigo libertar o pensamento. 

Procuro então aniquilar em mim, 
A nefasta influência que domina 
Os meus nervos cansados; mas por fim, 
Reconheço que amar-te é minha sina. 

Longe de ti atrevo-me a pensar 
Nesse estranho rigor que me acorrenta: 
E tenho a sensação do alto mar, 
Numa noite selvagem de tormenta. 

Tens no olhar magias de profeta 
Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas... 
Adivinhas... Serei a borboleta 
Que vendo a luz deixa queimar as asas. 

No entanto — vê lá tu!— Eu não lamento 
Esta vontade que se impõe à minha... 
Nem me revolto... cedo ao encantamento... 
— Escrava que não soube ser Rainha! 

Fernanda de Castro,
 in "Antemanhã"
 
 
 
 

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