Aqui sobre a noite,
na cinza das pálpebras,
no meio das rosas,
no sono das aves,
nas franjas da lua,
nas imóveis águas,
aqui, sobre a tênue
seda da saudade,
a perpétua face.
Sozinha contemplo
o ardente milagre.
Ninguém mais te avista,
Verônica suave!
-Desenho do sonho
que a noite reparte.
Por que me apareces
igual à verdade,
ilusória imagem?
Na minha alegria,
corre um mar de lágrimas.
Tudo se repete,
na terra e nos ares,
e os meus pensamentos
são só teu retrato.
Em puro silêncio,
luminosa jazes:
tão doce e tão grave!
Fita bem meu rosto,
guarda os olhos pálidos
com rios antigos
por onde viajaste.
Lembra-te da minha
sombra humana, diáfana,
-pode ser que um dia
todos nós passemos
pela Eternidade.
Cecília Meireles
In: Canções -1956-
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