quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

AO CREPÚSCULO



O crepúsculo cai, tão manso e benfazejo 
Que me adoça o pesar de estar em terra estranha. 
E enquanto o ângelus abençoa o lugarejo, 
Eu penso em ti, apaziguado e sem desejo, 
Fitando no horizonte a linha da montanha. 

A montanha é tranqüila e forte, e grande e boa. 
Ela afaga o meu sonho. E alegra-me pensar 
(Tanto a saudade a um tempo acalenta e magoa!) 
Que tu, na doce paz da tarde que se escoa, 
Teces o mesmo sonho, ouvindo e vendo o mar. 

Embalada na voz do grande solitário, 
Tu mortificarás teu casto coração 
Na dor de revocar o noivado precário. 
(Ah, por que te confiei o meu desejo vário? 
Por que me desvendaste a tua sedução?) 

Se nos aparta o espaço, o tempo — esse nos liga. 
A lembrança é no amor a cadeia mais pura. 
Tu tens o grande Amigo e eu tenho a grande Amiga: 
O mar segredará tudo o quanto eu te diga, 
E a montanha, dir-me-á tua imensa ternura.

- Manuel Bandeira, 
em "A cinza das horas",

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