segunda-feira, 23 de março de 2015

VERSO AVULSO




Senhor! Que buscas Tu pescar com a rede
das estrelas?

Mario Quintana,
in 80 anos de Poesia



NUM PAÍS DE NOSTÁLGICOS NEVOEIROS...




***

Num país de nostálgicos nevoeiros
de paisagens em lenta mutação,
largarei de repente o meu bordão...
E hão de pasmar os outros caminheiros!

E andando como a lua nos outeiros
ao encontro da lenta procissão,
pousarias a mão na minha mão...
enamorados sempre... e sempre companheiros!

E diante de tão doces aparências
quem diria que em duas existências
nos separara o mundo - anos inteiros!

E, sentados à sombra de uns olmeiros,
trocaríamos falsas confidências...
cheias de sentimentos verdadeiros!

Mario Quintana
In Baú de Espantos




XII



 Das utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!

Mario Quintana
In: Espelho Mágico

PAUSA





Oh! todo o sossego e lucidez das madrugadas,
quando o último grilo já parou seu canto e ainda
não se ouviu o canto do primeiro pássaro…

Mário Quintana
Caderno H



domingo, 22 de março de 2015

RETRATO EM LUAR





Meus olhos ficam neste parque,
Minhas mãos no musgo dos muros,
Para o que um dia vier buscar-me,
Entre pensamentos futuros.

Não quero pronunciar teu nome,
Que a voz é o apelido do vento,
E os graus da esfera me consomem
Toda, no mais simples momento.

São mais duráveis a hera, as malvas,
Que a minha face deste instante.
Mas posso deixá-la em palavras,
Grava num tempo constante.

Nunca tive os olhos tão claros
E o sorriso em tanta loucura.
Sinto-me toda igual às arvores:
Solitária, perfeita e pura.

Aqui estão meus olhos nas flores,
Meus braços ao longo dos ramos:
E, no vago rumor das fontes,
Uma voz de amor que sonhamos.

Cecília Meireles
In Retrato Natural

À HORA EM QUE OS CISNES CANTAM




Nem palavras de adeus, nem gestos de abandono.
Nenhuma explicação. Silêncio. Morte. Ausência.
O ópio do luar banhando os meus olhos de sono...
Benevolência. Inconsequência. Inexistência.

Paz dos que não têm fé, nem carinho, nem dono...
Todo o perdão divino e a divina clemência!
Oiro que cai dos céus pelos frios do outono...
Esmola que faz bem... - nem gestos, nem violência...

Nem palavras.Nem choro. A mudez. Pensativas
abstrações. Vão temor de saber. Lento, lento
volver de olhos, em torno, augurais e espectrais...

Todas as negações. Todas as negativas.
Ódio? Amor? Ele? Tu? Sim? Não? Riso? Lamento?
- Nenhum mais. Ninguém mais. Nada mais. Nunca mais...

Cecília Meireles
In 'Nunca Mais e Poema dos Poemas'1923

DISTÂNCIA




QUANDO o sol ia acabando
e as águas mal se moviam,
tudo que era meu chorava
da mesma melancolia.
Outras lágrimas nasceram
com o nascimento do dia:
só de noite esteve sêco
meu rosto sem alegria.
(Talvez o sol que acabara
e as águas que se perdiam
transportassem minha sombra
para a sua companhia...)
Oh!
mas nem no sol nem nas águas
os teus olhos a veriam...
— que andam longe, irmãos da lua,
muito clara e muito fria...


Cecília Meireles
in 'Viagem'

PAZ




Caminhemos até as árvores... o sonho
Se fará em nós por virtude celeste.
Caminhemos até as árvores; a noite
Nos será branda, a tristeza leve.

Caminhemos até ás árvores, a alma
Adormecida de perfume agreste.
Cala-te, porém, sê piedoso, não fales;
Não despertes os pássaros que dormem. 


Alfonsina Storni
(Livre tradução de Fernando Campanella)



terça-feira, 10 de março de 2015

APOTEOSE




No horizonte profundo
mãos invisíveis suspenderam
a cortina sem fim das trevas mortas...

e cem lâmpadas claras se acenderam!

...e a luz radiosa entrou pelas cem
portas do Palácio do Mundo...


Tasso da Silveira,
in Canções à Curitiba
& outros poemas