domingo, 17 de novembro de 2013
ENQUANTO TUDO DORME.......
Enquanto tudo dorme, sento-me cheio de alegria
Sob a abóbada estrelada que as frontes alumia;
Perscruto se do alto vem um sinal rumoroso;
E a hora com sua asas docemente me brinda
Quando contemplo, comovido, a festa infinda
Que, de noite, ao mundo oferece o céu radioso!
Penso às vezes que estes sóis que resplandecem,
Na terra adormecida, só a minha a alma aquecem;
Que para os entender, só eu fui predestinado;
Que sou eu, sombra vã, obscura e taciturna,
O misterioso rei desta pompa nocturna;
Que só para mim o céu foi iluminado!
Novembro de 1829
Victor Hugo ,
in Poemas
(tradução de Maria Manuela Parreira da Silva)
A CADA UM
Amanhece.
O Sol come a neblina
e começa a pintar
caminhos,
árvores,
casinhas,
animais,
pessoas…
E a cada um
lhe põe sombra.
Humberto Ak’abal
In "Tecedor de palavras"
terça-feira, 12 de novembro de 2013
AURORA
O milagre da noite
se abrindo em manhã,
soltando o jorro preso
da luz,
soltando os pássaros,
as nuvens claras,
as cores todas
e o cheiro bom do café.
Roseana Murray,
in Poemas de céu
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
A TARDE CAI LENTAMENTE
Como quem olha pela última vez o destino
das sombras, a tarde cai, lentamente,
retomando aromas e sons
que a claridade do dia preteriu.
É, então, que ressaltam as emoções,
desordenadamente guardadas no peito
e os pássaros voam, quase loucos,
à procura do sol.
Graça Pires
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
O RIO
Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.
Manuel Bandeira
In: "Estrela da vida inteira"
terça-feira, 5 de novembro de 2013
ESPECTROS
Nas noites tempestuosas, sobretudo
Quando lá fora o vendaval estronda
E do pélago iroso à voz hedionda
Os céus respondem e estremece tudo,
Do alfarrábio, que esta alma ávida sonda.
Erguendo o olhar; exausto a tanto estudo,
Vejo ante mim, pelo aposento mudo,
Passarem lentos, em morosa ronda,
Da lâmpada à inconstante claridade
(Que ao vento ora esmorece ora se aviva,
Em largas sombras e esplendor de sois),
Silenciosos fantasmas de outra idade,
À sugestão da noite rediviva
- Deuses, demônios, monstros, reis e heróis.
Cecília Meireles
In: Espectros (1919
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
AMARGO
Há um mar, o dos velames,
das praias ardendo em ouro.
Há outro mar, o mar noturno,
o das marés com a lua
a boiar no fundo
o mênstruo da madrugada.
E afinal o outro, o do amor amargo,
meu mar particular, o mais profundo,
com recifes sangrando, um mar sedento
e apunhalado.
Max Martins
De Anti-retrato (1960)
domingo, 3 de novembro de 2013
AS ÁRVORES
Na celagem vermelha, que se banha
Da rutilante imolação do dia,
As árvores, ao longe, na montanha,
Retorcem-se espectrais à ventania.
Árvores negras, que visão estranha
Vol aterra? que horror vos arrepia?
Que pesadelo os troncos vos assanha,
Descabelando a vossa ramaria?
Tendes alma também... Amais o seio
Da terra; mas sonhais, como sonhamos,
Bracejais, como nós, no mesmo anseio...
Infelizes, no píncaro do monte,
(Ah! não ter asas!...) estendeis os ramos
À esperança e ao mistério do horizonte...
Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)
POENTE
A hora é de cinza e de fogo.
Eu morro-a dentro de mim.
Deixemos a crença em rogo,
Saibamos sentir-nos Fim.
Não me toques, fales,olhes...
Distrai-te de eu 'star aqui
Eu quero que tu desfolhes
A minha ideia de ti...
Quero despir-me de ter-te,
Quero morrer-me de amar-te.
Tua presença converte
Meu esquecer-te em odiar-te.
Quero estar só nesta hora...
Sem Tragédia...Frente a frente
Com a minha alma que chora
Sob o céu indiferente,
Basta estar, sem que haja ao lado
Exterior da minha alma
Meu saber-te ali, iriado
De ti, mancha nesta calma
Ânsia de me não possuir,
De me não ter mais que meu,
De me deixar esvair
Pela indiferença do céu.
Fernando Pessoa
In Poesia
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